A Assembleia Legislativa deve votar na tarde desta terça-feira (27), em primeiro turno, a proposta de emenda constitucional (PEC) que desobriga do governo do Rio Grande do Sul de realizar plebiscito sobre a venda da Corsan. O texto tem impacto também sobre o Banrisul e a Procergs.
GZH ouviu argumentos favoráveis ao repasse da estatal de saneamento básico à iniciativa privada e contrários à operação.
A favor
“O caminho da privatização é ousado e inteligente”
À frente de uma entidade que representa 97,5% das operações empresariais de água e saneamento do país, o gaúcho Percy Soares Neto defende a venda do controle acionário da Corsan como melhor alternativa para o cumprimento das metas exigidas pelo governo federal. Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), as parcerias com o mercado vão ajudar Estados e municípios a reverter o cenário atual, em que os serviços hidráulicos são o setor de infraestrutura com maior déficit de atendimento e menor participação privada do país.
— A gestão privada sempre é mais eficiente, sobretudo por não ter as amarras do processo burocrático — afirma Neto.
Confira a entrevista:
Por que se deve privatizar a Corsan?
A Corsan precisa de parceria com o capital privado para atender as metas de universalização definidas na nova lei. A privatização é um caminho, não é o único. O que a gente defende é que algum caminho possa ser adotado, porque, com capital próprio e histórico de investimentos que a Corsan vem fazendo, ela não vai conseguir atingir as metas. O caminho escolhido, da privatização, é ousado e inteligente.
Quais as probabilidades de haver aumento das tarifas?
Isso não existe. O privado não define o preço da água, que é definido nos editais de concessão e controlado pela agência reguladora. O que precisa para se evitar qualquer disfunção na tarifa é fortalecimento e qualificação da agência reguladora. Historicamente, o setor privado tem uma tarifa média menor do que a das empresas estaduais. Mas é preciso comparar a tarifa com o investimento médio por ligação. O problema do esgoto, por exemplo, são os 67% dos gaúchos que estão fora da rede. Se você reduzir a tarifa ao máximo, o que se vê é uma demora em levar o serviço a quem não tem. Então, não há risco de tarifaço, mas também um discurso de redução radical da tarifa impacta o fluxo de caixa e atrasa a universalização.
Pelos dados de 2019, a Corsan tem tarifa média de R$ 8,28, quase o dobro da média nacional (R$ 4,31). Esse valor pode cair?
A gestão privada sempre é mais eficiente, sobretudo por não ter as amarras do processo burocrático. Esse ganho de eficiência pode ser revertido em maior pressão no fluxo de investimento ou redução de tarifa. Vai depender da modelagem. Agora, a tarifa da Corsan é mais alta porque não opera em Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Novo Hamburgo e outros grandes centros que dão escala à operação. Se continuar assim, claro que gera pressão maior sobre a tarifa.
O que precisa para se evitar qualquer disfunção na tarifa é fortalecimento e qualificação da agência reguladora.
Não há riscos de, sob controle privado, a empresa priorizar o lucro em detrimento da qualidade do serviço?
Não. O serviço regulado tem penalidades em relação à qualidade do serviço. O que vai defender a população em termos tarifários e de qualidade é a regulação e a modelagem do edital. Os editais de concessão pública têm melhorado muito.
As metas do marco do saneamento preveem entregar até 2033 água tratada a 99% da população e a coleta de esgoto a 90%. No Rio Grande do Sul, a água chega a 86,9% e o esgoto a 32,3% dos lares. Essas metas são factíveis sob controle privado?
São. Isso porque há uma outra estrutura de capital da companhia, com condição maior de alavancar os investimentos. Os contratos que a Corsan tem passam a ser contratos de concessão, portanto se tornam ativos da companhia.
De quanto será o investimento necessário para se atingir essas metas?
Eu ouvi o (presidente da Corsan, Roberto) Barbuti dizer que seria da ordem de R$ 10 bilhões até 2033. É o número mais abalizado, pois vem do cara que está sentado na principal cadeira da companhia e tem todas as informações à mão. E a iniciativa privada teria como buscar no mercado esse valor, pois a Corsan renovou por um período mais longo os mais de 300 contratos com municípios. Então tem lastro para alavancar e período para pagar.
A Corsan teve em 2020 receita líquida de R$ 3,2 bilhões, com R$ 480 milhões de lucro líquido. O quanto esse resultado pode melhorar sob controle privado?
Depende do cronograma de investimentos estabelecido. Por exemplo, está em curso a privatização da Cedae, no Rio. E lá todos os investimentos estão concentrados nos oito primeiros anos de contrato. Então é muito provável que o resultado seja negativo nos primeiros anos e o investimento vai se pagando com o restante do contrato.
Há alguma companhia no país similar à Corsan e que foi privatizada? Como essa companhia está hoje?
Nós temos no país três companhias de capital aberto, com ações em bolsa: a Sabesp, de São Paulo, a Copasa, de Minas Gerais, e a Sanepar, do Paraná. Elas tem tido melhor desempenho na operação do serviço, são as mais bem estruturadas. As outras ainda andam atrás em termos de nível de atendimento e qualidade do serviço. Não digo que são melhores só porque abriram capital. As agências reguladoras e as políticas de saneamento também são mais estruturadas, os Estados tinham capacidade de dar garantia para que as companhias tomassem dinheiro no governo. Tem outros fatores, não vou vender gato por lebre. É a pergunta do que veio antes, o ovo ou a galinha? Não sei se eles abriram capital porque estavam mais estruturados ou tiveram de se estruturar melhor porque abriram o capital. Quando se dá abertura de capital, o maior ganho se dá no modelo de governança e na exigência de transparência. Quando se lança o papel da empresa na bolsa e se faz isso, blindando contra interferências políticas, por exemplo, já há um salto na companhia. A Corsan já está trabalhando para atingir esse patamar da Sabesp e das outras companhias.
Contra
“A Corsan dá lucro todo ano, há quase 20 anos”
Vice-presidente da Associação dos Técnicos-Científicos da Corsan, José Homero Finamor Pinto é o engenheiro-civil mais antigo em atuação na empresa. Com 45 anos de carreira, ele ajudou a criar o Fórum em Defesa da Água e do Saneamento, coletivo que reúne mais de 15 entidades na luta pela manutenção da Corsan sob gestão pública. Para o servidor, a venda para a iniciativa privada vai levar a empresa a privilegiar o lucro em detrimento da qualidade do serviço.
— Sob controle estatal, há uma visão social do Estado de atender a todos de forma igualitária — pondera Pinto.
Confira a entrevista:
Por que a Corsan deve permanecer sob controle estatal?
A Corsan foi criada para alavancar o saneamento no Estado num sistema cooperativo, o lucro nas maiores cidades subsidiava o déficit na menores. Isso acontece até hoje. A Corsan atua em 317 cidades, mas só 40 são superavitárias. Sob controle privado, não teremos esse equilíbrio porque a empresa vai investir só onde dá lucro. Quem vai querer aplicar dinheiro em Palmitinho ou São João da Urtiga, cidades que exigem investimento mas dão prejuízo? Sob controle estatal, há uma visão social do Estado de atender a todos de forma igualitária.
Quais a probabilidade de haver aumento de tarifa?
No setor privado, a relação é custo/benefício. A Lei do Saneamento fala em atendimentos regionais. Então nas regiões metropolitanas, onde tem lucro, tende a baixar o preço. Mas nas demais regiões, como aqui no Estado na Fronteira Oeste, no Sul, Missões, Planalto, que têm basicamente cidades deficitárias, a tendência é subir bastante o preço da água. O preço vai ser o custo da região.
Por dados de 2019, a Corsan tem tarifa média de R$ 8,28, quase o dobro da média nacional (R$ 4,31). Por que a gestão pública não consegue diminuir essa diferença?
Dois fatores fazem a Corsan ter a tarifa mais cara do país. É a única das 27 companhias estaduais que nunca teve a Capital. Se Porto Alegre fosse atendida pela Corsan, a tarifa poderia cair 30%. A Corsan também não tem cidades maiores, como Pelotas e Caxias do Sul. São pelo menos sete grandes cidades que, por estarem fora, contribuem para que o custo médio da Corsan seja mais alto. Outro fator é o modelo tarifário. Cada um paga o que consome. Uma casa na praia fechada quase o ano todo paga só o serviço básico, R$ 27 por mês. Em todos os outros Estados, o sistema é por demanda mínima: todo mundo paga ao menos 10m³. Então tu olha a tabela e é a tarifa mais cara do país, mas se olhar quanto se arrecada por conta emitida, vai lá pra rabeira.
Nas regiões metropolitanas, onde tem lucro, tende a baixar o preço. Nas demais regiões, a tendência é subir.
Não há riscos de, sob controle estatal, a empresa ter uma gestão mais política do que técnica, reduzindo a qualidade do serviço?
Sempre há esse risco. Basta ver o que aconteceu na Petrobras, quase quebraram a sétima maior empresa do mundo. Tivemos gestões complicadas na Corsan. No governo passado, se perdeu mais de R$ 500 milhões em recursos financiados, garantidos, por má gestão da área de projetos. No atual governo, a venda está sendo muito mais trabalhada do que a gestão dos projetos, o atendimento às prefeituras está relegado.
As metas estabelecidas no marco do saneamento básico preveem entregar até 2033 água tratada a 99% da população e a coleta de esgoto a 90%. No Rio Grande do Sul, a água chega a 86,9% e o tratamento do esgoto a 32,3% dos lares. É possível alcançar essa meta com a empresa sob controle estatal?
É possível. Nos 317 municípios da Corsan, já há 97% de atendimento de água. Só não tem 100% porque muitas cidades têm zonas invadidas e a própria prefeitura não deixa colocar. Canoas e Gravataí, por exemplo, têm 15 mil casas irregulares cada. No esgoto é diferente porque a maioria dos contratos da Corsan não previa o serviço, o que só ocorreu a partir de 2007. Mas também é possível atingir, até porque esse prazo deve ser estendido para 2040, mantendo-se os 20 anos previstos originalmente. Todas as empresas, públicas e privadas, dizem isso.
Quanto o Estado teria de investir para atingir essas metas? Há recursos disponíveis?
O governo fala em R$ 10 bilhões. A Corsan venceu uma ação de R$ 1,4 bilhão em desoneração de impostos contra a União que já transitou em julgado. Então já cai para R$ 8,6 bilhões. Ano passado, investimos R$ 400 milhões em recursos próprios. Como ganhamos a ação, esse valor sobe para R$ 530 milhões com os R$ 130 milhões anuais que vamos deixar de pagar em impostos federais. Até 2033, são quase R$ 7 bilhões. O resto, a Corsan tem condições de captar no mercado. Se for até 2040, nem precisa.
A Corsan teve em 2020 receita líquida de R$ 3,2 bilhões, com R$ 480 milhões de lucro líquido. É possível melhorar esse resultado sob gestão pública?
Claro. A Corsan dá lucro todo ano, há quase 20 anos. O Estado não investe um centavo na empresa e ganha dinheiro com ela.
Há alguma companhia similar à Corsan e que, mantida sob controle estatal, vem melhorando a performance? Como essa companhia está hoje?
Há cinco empresas que se destacam em tamanho, qualidade e solidez financeira: São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul. As três primeiras têm capital privado, mas o controle acionário é do Estado. A Sabesp, de São Paulo, é a maior empresa pública de saneamento do mundo. Tem ações na bolsa de Nova York, mas tem controle estatal. A Corsan está sem concurso público desde 2012 e todo ano crescemos uma Santa Maria em número de economias de água: são 80 mil, 90 mil, novas ligações. Então há uma deficiência no atendimento porque as equipes são muito enxutas, mesmo sem usar dinheiro do governo.