Corrigido duas vezes pela Assembleia Legislativa, o resultado da votação que retirou a exigência de plebiscito para venda da Corsan, Banrisul e da Procergs deve acabar sendo discutido na Justiça. A vitória do governo está sendo questionada pelas bancadas de oposição após as alterações no teor dos votos de dois parlamentares da base governista.
Em um primeiro momento, PT, PDT e PSOL irão requerer à Mesa Diretora da Casa que a votação da matéria seja refeita. Se a iniciativa não prosperar, os partidos projetam recorrer à Justiça. O objetivo é anular o placar final de 33 votos favoráveis e 18 contrários à proposta de emenda à Constituição (PEC) que dispensou consulta popular antes da venda das estatais.
A controvérsia ganha ainda mais relevo porque a vitória do governo se deu na margem mínima para aprovação da PEC, que são 33 votos. A votação da matéria em segundo turno está prevista para 11 de maio e não há garantias de que até lá o impasse esteja resolvido.
— A credibilidade da votação está em xeque. Vamos recorrer à Mesa Diretora e, se for necessário, à Justiça — diz a líder do PSOL, Luciana Genro.
O imbróglio teve início tão logo o presidente da Casa, Gabriel Souza (MDB), proclamou o resultado da votação: 33 a 19. De imediato, o deputado Neri, o Carteiro (SD), que participava da sessão de forma remota e cuja conexão de internet falhara, pediu que ficasse registrado em ata seu apoio ao texto.
— Em que pese não alterar o resultado da votação, eu estava aqui com um problema de conexão e gostaria de registrar meu voto favorável — disse Neri.
Souza, porém, afirmou que o voto de Neri havia sido computado “visualmente”. A reação foi imediata. Contrário à PEC, Gerson Burmann (PDT) disse que a coleta do voto havia sido irregular, já que o próprio Neri havia dito que sua manifestação posterior não alteraria o resultado.
— Como é que o senhor computa o voto de Neri, o Carteiro, se ele justifica depois não ter votado? — indagou o pedetista.
Souza justificou que a apuração visual vinha se tornando rotina em sessões virtuais ou híbridas, mas um mal-estar se instalou entre os deputados. Burmann seguiu reclamando e Souza recomendou que ele recorresse à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Na sequência, houve nova controvérsia. Dirceu Franciscon (PTB), que também participava da sessão por teleconferência, havia manifestado oralmente o voto a favor da PEC, mas a assistência da Mesa Diretora computou como voto contrário.
A sequência de votos confusos levou a oposição a pedir uma nova votação, mas Souza encerrou a sessão com o resultado oficial de 33 a 19. Quase meia hora mais tarde, a Assembleia acabou corrigindo o resultado para 34 a 18, reconhecendo que o voto de Franciscon havia sido registrado de forma equivocada pela Superintendência Legislativa da Casa.
Permanecia, porém, o incômodo com a coleta do voto de Neri. Souza telefonou para Burmann justificando a decisão, mas o pedetista não aceitou as explicações. Recolhido no gabinete da presidência, Souza então assistiu novamente o vídeo da votação, reconheceu o erro e anulou o voto do parlamentar. Passava das 20h, quase três horas após o fim da sessão, quando o placar foi corrigido novamente, agora para 33 a 18. Antes do anúncio oficial da decisão, o presidente ligou novamente para Burmann e pediu desculpas pelo equívoco.
À noite, os três partidos de oposição requisitaram cópia em áudio e vídeo da sessão, a certificação do resultado no placar eletrônico e as notas taquigráficas. O material irá embasar o recurso para que a votação seja anulada. O pedido da oposição será encaminhado à CCJ, que terá três sessões para verificar se a votação obedeceu as regras formais e o regimento interno.
— Quem deve definir é o próprio presidente. Mas não vejo problemas. Há o áudio do voto do Franciscon e o voto do Neri, se fosse computado, seria 34 votos a favor e a PEC teria passado do mesmo jeito — diz o líder do governo, Frederico Antunes (PP).
A despeito da polêmica, governo e oposição seguem buscando apoio para a votação em segundo turno. O Piratini tem ao menos uma baixa quase certa. Grávida, Any Ortiz (Cidadania) deve entrar em licença-maternidade nos próximos dias.
Com o desfalque, a margem governista cai para 33 votos, o mínimo exigido na aprovação de PECs. Para não correr riscos, o governo pretende reverter a posição de aliados que são signatários da proposta mas votaram contra, como Airton Lima (PL) e Capitão Macedo (PSL), ou que se abstiveram, como Adolfo Brito (PP).
Haverá conversas também com Tiago Simon (MDB), Patrícia Alba (MDB) e Elton Weber (PSB), refratários à privatização da Corsan. Já a oposição pretende se aproximar dos descontentes para ampliar as defecções na base governista.
Leia a íntegra da nota da Assembleia
"Esclarecimento da Superintendência Legislativa da ALRS
A Superintendência Legislativa da ALRS esclarece que o cômputo dos votos dos deputados nas sessões deliberativas é baseado na declaração de voto do parlamentar. O registro do mesmo ocorre de duas formas: no painel de votação ou no sistema de votação nominal. No modelo nominal, mesmo que, eventualmente, o voto seja computado pela assessoria de forma equivocada, o sistema de gravação de áudio e vídeo atesta a declaração do parlamentar.
Em relação à votação da PEC 280/2019, realizada na sessão extraordinária da última terça-feira (27), houve a retificação do resultado da votação logo após o término da sessão, conforme comprova a gravação, sendo o resultado final 33 votos favoráveis e 18 contrários. Foram corrigidos os votos do deputado Dirceu Franciscon, que votou SIM na deliberação e teve equivocadamente lançado pela assessoria o voto NÃO. Por problemas de conexão, o voto do deputado Neri, o Carteiro, foi computado e posteriormente anulado, por ter sido declarado fora do tempo regimental da votação."