Numa sessão tensa e sob efeito da pressão da bancada governista pelo retorno das aulas presenciais na rede educacional do Estado, a Assembleia Legislativa aprovou nesta terça-feira (27) o fim da exigência de plebiscito para privatização da Corsan, do Banrisul e da Procergs. A medida, chancelada por 33 votos a 18, ainda precisa ser apreciada em segundo turno pelos deputados, mas o placar abre caminho para o Piratini preparar a venda da estatal de saneamento.
A proclamação do resultado foi cercada de confusão. Após o encerramento da votação, o placar anunciado inicialmente, de 33 a 19, foi corrigido para 34 a 18 porque o voto de Dirceu Franciscon (PTB), antes computado como contrário pela assistência, havia sido favorável.
Quase três horas mais tarde, porém, a Assembleia acabou anulando o voto de Neri, o Carteiro (SD). Ele participava de forma remota da sessão e o áudio falhou no momento da coleta dos votos, mas a posição dele, a favor da PEC, acabou sendo computada por mímica pela Mesa Diretora. Houve protestos da oposição e, à noite, o voto acabou anulado.
De autoria do deputado Sérgio Turra (PP), a proposta de emenda à Constituição (PEC) deve voltar a plenário em 18 de maio. Todavia, o fato de o Piratini ter conseguido o mínimo de votos exigidos, 33, pode indicar riscos de um futuro revés. A mudança no sistema de distanciamento controlado, anunciada durante a sessão pelo governador Eduardo Leite, foi fundamental para a vitória.
Desde a noite de segunda-feira (26), o governo enfrentava um ensaio de insurgência na base por causa da polêmica em torno da volta às aulas. Na véspera da votação, a maioria dos deputados acompanhou a sessão do Tribunal de Justiça que, por decisão unânime da 4ª Câmara Cível, manteve o veto às aulas presenciais durante vigência da bandeira preta no Estado.
Irritados com a derrota judicial e com a postura do governador, alguns parlamentares demonstraram indisposição em votar a PEC caso não houvesse mudanças permitindo o funcionamento das escolas. Interlocutores do Piratini identificaram uma pressão partindo sobretudo de deputados aliados com histórico de rebeldia às orientação do governo, como Any Ortiz (Cidadania), Paparico Bacchi (PL), Fran Somensi (Republicanos) e Franciane Bayer (PSB). Mais explícita, a cobrança partiu também dos dois integrantes do Novo, Fábio Ostermann e Giuseppe Riesgo.
Com medo que o movimento se alastrasse pela base, ainda na noite de segunda-feira Leite decidiu convocar uma reunião para a manhã seguinte. Por volta das 7h30min, ele convidou os presidentes da Assembleia, Gabriel Souza, e da Famurs, Maneco Hassenn, além do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo. Por quase duas horas, eles conversaram sobre alternativas que possibilitassem o retorno dos estudantes aos colégios.
Somente à tarde, em meio à votação, Leite divulgou o vídeo no qual anunciou que o Estado estava entrando em bandeira vermelha, liberando aulas presenciais a partir desta quarta-feira (28). Também marcou para 10 de maio o fim do atual modelo de distanciamento controlado. No plenário, a repercussão foi imediata.
— Isso cheira a negociata, negociata para derrubar o plebiscito da Constituição em troca da mudança de critério das bandeiras para possibilitar uma abertura irresponsável das escolas – atacou Luciana Genro (PSOL).
Enquanto os oposicionistas se revezavam ao microfone e os governistas preferiam o silêncio, o Piratini fazia contas. No MDB, maior bancada aliada, havia duas defecções: Patrícia Alba e Tiago Simon. No PSL, Capitão Macedo afirmou que votaria contra. No DEM, Thiago Duarte também. Para não correr riscos, o PP enquadrou Issur Koch, que pretendia votar contra, e antecipou em três dias o fim da licença de saúde de Ernani Polo, recuperado da covid-19.
Um dos raros aliados de Leite a usar a tribuna, o líder do governo, Frederico Antunes (PP), disse que a PEC somente dispensava o plebiscito, sem permitir a venda imediata da Corsan. Antunes, porém, fez questão de salientar que uma edição extra do Diário Oficial colocaria o Estado em bandeira vermelha.
— Daí estaremos em condições de acalmarmos as almas, tranquilizarmos gaúchos e gaúchas e voltar à normalidade para uma atividade essencial, que é o ensino — afirmou.
De nada adiantaram as cobranças da oposição, lembrando a promessa feita por Leite na eleição de 2018, quando garantiu que não privatizaria a Corsan e o Banrisul. Quando o placar eletrônico anunciou o resultado, caia o último entrave à consultas prévias a população antes da venda de estatais — em 2019, a Assembleia já havia retirado a exigência para a CEEE, CRM e Sulgás. O mapa de votos também demonstrou que a vitória de Leite só veio graças ao apoio do Novo, bancada independente que vive às turras com o governo.
— Cobramos uma sinalização concreta sobre a revogação da bandeira preta da imediata volta às aulas. Diante do compromisso firmado pelo governo em editar um novo decreto ainda hoje, nos sentimos mais confortáveis para votar a PEC — disse Ostermann.
Com o horizonte mais tranquilo, o Piratini já trabalha na etapa seguinte. Nos próximos dias, chega à Assembleia um projeto de lei autorizando o Estado a vender a Corsan. A princípio, o governo não deve enfrentar grandes dificuldades, já que serão necessários 28 votos favoráveis, ante os 33 exigidos na aprovação da PEC.