Após um pedido de adiamento e um de habeas corpus para ficar em silêncio, um dos depoimentos mais aguardados pela CPI da Covid, o do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, ocorreu nesta quarta-feira (19). Em sua fala, o militar discorreu sobre a atuação do Ministério da Saúde na crise da falta de oxigênio em Manaus, sobre o incentivo ao uso da cloroquina por parte do governo federal e sobre o processo de compra de vacinas.
Após cerca de oito horas, o depoimento do ex-ministro foi suspenso porque ele passou mal durante um intervalo da sessão, realizado por volta das 17h. A sessão será retomada na quinta-feira (20), às 9h.
A comissão parlamentar apura ações e possíveis omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia do coronavírus no país.
Abaixo, confira os principais pontos do depoimento do ex-ministro:
Falta de oxigênio em Manaus
A fala de Pazuello sobre a atuação do Ministério da Saúde na crise da falta de oxigênio em Manaus gerou um dos momentos mais tensos da sessão. O ex-ministro afirmou que a pasta adotou as medidas possíveis desde que recebeu a informação sobre risco de desabastecimento de oxigênio em Manaus, o que só teria ocorrido no dia 10 de janeiro, disse. A data na qual o ministério foi informado sobre o problema no Amazonas faz parte de um imbróglio de versões. A atuação do ex-ministro no caso é investigada em inquérito.
Pazuello ainda defendeu sua atuação no caso, afirmando que ainda em dezembro "se antecipou" à crise, quando foram deslocados integrantes da Saúde para o local.
— Prestamos todo o apoio possível. Crise de Manaus nos fez montar a maior operação de logística da história — complementou.
O clima na CPI ainda esquentou entre o ex-ministro e o senador Eduardo Braga (MDB-AM), depois de Pazuello afirmar que foram apenas três dias de desabastecimento de oxigênio no Amazonas.
— Em quatro ou cinco dias, já estávamos com nível de estoque restabelecido. Tivemos três dias onde aconteceram as maiores dificuldades — afirmou.
Braga então rebateu ao ex-ministro dizendo que a crise de desabastecimento durou 20 dias, e não três.
— Não faltou oxigênio no Amazonas em apenas três dias. Faltou oxigênio por mais de 20 dias. É só ver o número de mortos, é só ver o desespero das pessoas. Não é possível — afirmou o senador.
Atraso na compra de vacinas
Pazuello afirmou que não recebeu ordem do presidente Jair Bolsonaro para não efetuar compra de vacinas do Butantan. Disse que a posição do presidente sobre o fato ocorreu apenas na internet e não de maneira oficial.
O ex-ministro disse ainda que as propostas da Pfizer nunca teriam ficado sem resposta e que foram "inúmeras" as vezes que a pasta falou com a farmacêutica. O ex-ministro argumentou que as negociações enfrentaram desafios em razão das cláusulas "assustadoras" do contrato e questões logísticas, além do preço.
— Essas discussões nos consumiram em setembro e outubro. De agosto a setembro estávamos discutindo com a Pfizer ininterruptamente. A resposta à Pfizer é uma negociação. Eu estou falando de dezenas de reuniões e discussões. A resposta sempre foi: "Sim, queremos comprar". Mas não posso comprar se você não flexibilizar tal medida, se não auxiliar na logística — afirmou o general na CPI.
A informação de que o governo ignorou propostas da Pfizer foi confirmada pelo gerente-geral da empresa na América Latina, Carlos Murillo, em depoimento à CPI. Em sua fala, o representante confirmou que o governo federal ignorou oferta de vacinas, entre agosto e setembro de 2020, em contratos oferecidos pela farmacêutica que previam 1,5 milhão de doses ainda naquele ano. Um contrato com a empresa foi fechado apenas em 19 de março de 2021.
Em depoimento à comissão, o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten também confirmou a demora do governo em responder a Pfizer. Wajngarten foi criticado por Pazuello.
Um bate-boca se iniciou quando o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), questionou por que o ministério teria deixado a farmacêutica por sete vezes sem resposta.
— Não houve decisão de não responder a Pfizer. Presidente era informado o tempo todo sobre as minhas conduções, não só da Pfizer. Foi informado por mim em todo o processo que começou em julho até março, quando contratamos a Pfizer, pessoalmente por mim — afirmou Pazuello, que foi então perguntado por Renan se a farmacêutica estaria mentindo.
— Eu respondo por mim — respondeu o ex-ministro.
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), então pediu que Pazuello entregue à CPI os documentos das negociações com a farmacêutica, a fim de evitar uma acareação com representantes da empresa. O ex-ministro afirmou que essas comprovações serão apresentadas à comissão.
Cancelamento de compra da CoronaVac
Relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) questionou o ex-ministro sobre o cancelamento de uma carta de intenções de compra de vacinas CoronaVac, produzidas pelo Instituto Butantan. Pazuello afirmou que não houve quebra de contrato e que as negociações continuaram. Ele ressaltou que, apesar de ter aparecido em um vídeo dizendo que "um manda e outro obedece" — em referência à sua relação com Jair Bolsonaro —, o presidente da República não pediu que nenhum contrato com o Butantan fosse desfeito.
Após Pazuello negar, por mais de uma vez, que Bolsonaro teria dado ordem para não comprar a CoronaVac, o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), o alertou afirmando que "faltar com a verdade" na CPI trará "consequências grandes".
Versão sobre o"pixulé"
Ao deixar o cargo em março, Pazuello disse que sua demissão devia-se a pressões de políticos interessados em "pixulé".
No depoimento, ele afirmou que quando usou o termo se referia a pequenos saldos de projetos que não foram aplicados, e que poderiam ser realocados por políticos. De acordo com o ex-ministro, durante sua gestão, não houve esses recursos não aplicados. A explicação provocou bate-boca entre senadores.
— Nós pegamos todos os saldos não aplicados, fizemos uma única portaria e investimentos na covid-19, no combate à covid-19 — afirmou.
Em momento anterior ao interrogatório, Pazuello disse ainda que não tem conhecimento de ter havido "mau uso" da verba transferida pelo governo federal. Com a insistência do relator da CPI, Renan Calheiros, em saber se Pazuello se referia a alguém especificamente em sua crítica, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos -RJ), que esteve na sessão, se manifestou em defesa do ex-ministro dizendo que Renan "está lembrando do Lula".
A afirmação causou um pequeno bate-boca entre o filho do presidente Bolsonaro e o senador Humberto Costa (PT-PE). Após a discussão, a sessão voltou a ocorrer normalmente. Calheiros indagou então ao que Pazuello atribuía sua demissão do Ministério da Saúde.
— Missão cumprida — se limitou a responder o militar.
Orientação sobre uso de cloroquina
O militar afirmou que não recebeu nenhuma orientação sobre o uso de cloroquina por parte de Bolsonaro. Disse ainda que o país usa o medicamento há 50 anos e que a substância foi utilizada na crise sanitária do zika vírus.
Sem ser desautorizado por Bolsonaro
No depoimento, o ex-ministro afirmou ainda que o presidente Jair Bolsonaro nunca lhe orientou a fazer nada diferente da forma como já estava atuando na gestão da pasta. Pazuello defendeu também que as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) são apenas posições — e que quem decide a política a ser implantada no país é o Ministério da Saúde. Assim, ele defendeu que o Brasil não é obrigado a seguir orientações da OMS e da Opas, pois o país é soberano.
Apesar de a vacinação no país só ter iniciado em março de 2021, o ex-ministro afirmou ainda que havia uma "estabilidade" da pandemia no Brasil durante o segundo semestre de 2020, e que a segunda onda, com destaque para a crise em Manaus, foi "abrupta".
O ex-ministro negou existência de um aconselhamento externo em relação às ações do Ministério da Saúde. Disse que Bolsonaro deixou claro que assuntos de saúde eram tratados pelo ministro.
Perguntado sobre contratos de obras do Ministério da Saúde anulados por indícios de fraude no Rio de Janeiro, Pazuello disse que não existiu emprego de recurso porque os processos foram cancelados antes de acontecer. O fato foi apontado em reportagem do Jornal Nacional.
Liminar para ficar em silêncio
Apesar de ter pedido e obtido um habeas corpus, na última sexta (14), junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), para ficar em silêncio na comissão, com o objetivo de não produzir provas contra si, Pazuello respondeu às questões.
No entanto, Calheiros afirmou que o militar fugiu das respostas:
— Ele finge responder, mas na verdade nao tem respondido. Ele adotou uma estratégia de negar os fatos, inclusive suas próprias declarações em momentos diferentes. É uma coisa absurda.