Em dois dias de depoimento à CPI da Covid, nesta quarta (19) e quinta-feira (10), no Senado, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi criticado por tergiversar, distorcer fatos e até mentir. A fala do general foi esquadrinhada por agências de checagem e veículos de comunicação, que comprovaram inconsistências e inverdades.
A seguir, com base nessas verificações, confira momentos em que Pazuello fez declarações contraditórias ou falsas aos parlamentares.
"Nunca o presidente me mandou desfazer qualquer contrato, qualquer acordo com o Butantan. Ele nunca falou um 'ai' sobre o Butantan"
A fala de Pazuello, como comprovou reportagem produzida pelo jornal Estado de S.Paulo e checagem realizada pelo Aos Fatos, não corresponde à realidade. Em 20 de outubro de 2020, o então ministro da Saúde comunicou negociação para a aquisição de 46 milhões de doses da CoronaVac.
No dia seguinte, em seu perfil oficial no Twitter, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou a compra. Bolsonaro escreveu o seguinte: "O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina."
Logo depois, em vídeo de 22 de outubro, Pazuello apareceu ao lado de Bolsonaro e os dois comentaram o desentendimento sobre a compra de vacinas. Na ocasião, o então ministro foi bastante claro ao declarar:
"Eu tomei conhecimento do risco (de falta de oxigênio) no dia 10 (de janeiro de 2021) à noite, em uma reunião com o governador do Amazonas e o secretário de Saúde"
Conforme checagens realizadas por Aos Fatos e Agência Lupa, a declaração é falsa. O primeiro aviso foi dado pelo governador do Amazonas, Wilson Lima, em 6 de janeiro. Em entrevista coletiva após reunir-se com Pazuello, em Brasília, Lima afirmou que a situação do Estado estava "chegando ao limite".
Depois disso, em 8 de janeiro, o governo federal foi alertado da iminente falta de oxigênio pela empresa White Martins, que fornece o gás a hospitais amazonenses. Isso está claro em ofício da própria Advocacia Geral da União (AGU) encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No documento, consta que a companhia havia entrado em contato com o Ministério da Saúde para alertar para o problema, sugerindo a contratação de mais uma empresa para garantir o fornecimento e evitar a falta de oxigênio.
Em entrevista coletiva em 18 de janeiro, Pazuello confirmou essa informação.
Também há alertas emitidos pela Força Nacional do SUS sobre o avanço da crise em Manaus em relatórios enviados em 8, 9, 11, 12 e 13 de janeiro.
"A decisão do STF em abril de 2020 limitou ainda mais a atuação do governo federal nessas ações (de combate à pandemia). Assim, não há possibilidade do Ministério da Saúde interferir na execução das ações sem usurpar as competências dos Estados e municípios"
Mais uma vez, segundo verificação do Fato ou Fake, do portal G1, Pazuello repetiu uma informação equivocada. O Supremo Tribunal Federal (STF) jamais proibiu ou limitou ações federais. O que a Corte decidiu, no começo da pandemia, em 2020, foi que União, Estados, Distrito Federal e municípios têm competência "concorrente" na área da saúde pública.
Ou seja, é responsabilidade de todos a adoção de medidas de combate à pandemia e, no caso específico dos governos municipais e estaduais, o STF concluiu que eles podem, sim, determinar quarentena, isolamento social, restrição a deslocamentos e a atividades econômicas — à época, o presidente Jair Bolsonaro criticou governadores por conta das limitações e chegou a dizer que impediria os fechamentos.
Em outubro de 2020, o plenário confirmou liminar do ministro Alexandre de Moraes reconhecendo e assegurando a competência concorrente para que os Estados e o Distrito Federal tomassem medidas de combate à covid-19. Em nenhum momento, o STF proibiu o governo federal ou o Ministério da Saúde de traçarem estratégias de abrangência nacional para o enfrentamento da covid-19.
"Eu não recomendei o uso da cloroquina nenhuma vez"
De acordo com a checagem de Aos Fatos, a declaração é inverídica. Em maio de 2020, quatro dias após Pazuello assumir o Ministério da Saúde, a pasta publicou nota informativa recomendando o uso do remédio em casos leves, moderados e graves da doença, mesmo sem comprovação de eficácia.
Depois disso, o chamado "tratamento precoce" foi citado inúmeras vezes no site do ministério — em janeiro de 2021, o Aos Fatos verificou 140 menções, sem contar que, entre maio de 2020 e fevereiro de 2021, o órgão federal distribuiu 4,1 milhões de comprimidos de cloroquina e 509 mil de hidroxicloroquina aos Estados.
Além de ações institucionais a favor da medicação, Pazuello inclusive usou o remédio, conforme declarou, em outubro de 2020, em vídeo gravado ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Na ocasião, confirmou ter sido infectado pela covid-19 e disse que "na terça, mesmo, comecei a tomar hidroxicloroquina".
Em passagem por Porto Alegre, em 21 de julho de 2020, Pazuello defendeu com todas as letras o uso precoce desse e de outros medicamentos contra o coronavírus. Em entrevista coletiva no Palácio Piratini, após reunião com o governador Eduardo Leite e outras autoridades, ao ser questionado sobre o assunto, disse:
— Temos aí a hidroxicloroquina, a azitromicina e a ivermectina já listadas nessa orientação (do Ministério da Saúde). Cabe ao médico avaliar o paciente, diagnosticá-lo e prescrever o medicamento ideal.
Ainda sobre a cloroquina, Pazuello dise também que não comprou "nenhum comprimido" do medicamento. No entanto, uma reportagem da BBC News Brasil de janeiro deste ano mostra que o governo Bolsonaro já havia gasto quase R$ 90 milhões com a compra de remédios sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19, como cloroquina, azitromicina e o Tamiflu.
"Essa plataforma (TrateCov) não foi distribuída aos médicos"
Conforme checagem da Agência Lupa, não é verdade. Afirmações equivocadas sobre a plataforma foram feitas por Pazuello nos dois dias de depoimento. O aplicativo piloto TrateCov ficou disponível para médicos de Manaus (AM). Em 11 de janeiro de 2021, em cerimônia na cidade, o então ministro Pazuello lançou o app, com o objetivo de auxiliar no diagnóstico rápido do coronavírus.
Em 19 de janeiro, segundo reportagem veiculada na TV Brasil, vinculada à estatal federal EBC, médicos já estavam usando o aplicativo para supostamente agilizar os atendimentos. Na prática, o aplicativo sugeria a prescrição de remédios sem comprovação de eficácia contra a doença em casos com dois ou mais sintomas de covid-19.
Dias depois, em 21 de janeiro, o Conselho Federal de Medicina solicitou que o app fosse retirado do ar, o que foi acatado pelo Ministério da Saúde.
"Primeira proposta oficial da Pfizer foi do dia 26 de agosto"
Conforme o depoimento, também à CPI, do ex-presidente da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, a primeira oferta de venda de vacinas por parte da farmacêutica ao Ministério da Saúde ocorreu antes, em 14 de agosto. Eram dois tipos de ofertas, de 30 milhões ou 70 milhões de doses do imunizante, que estava em desenvolvimento, com as mesmas condições de compra.
Em 18 e 26 de agosto foram feitas outras ofertas, com os mesmos números de doses, sendo que a última tinha o prazo de 15 dias para receber uma resposta. O governo brasileiro, no entanto, não respondeu a proposta.
Medidas de isolamento "não são cientificamente comprovadas"
Durante o depoimento nesta quinta-feira (20), Pazuello mentiu ao dizer que a efetividade de medidas de distanciamento social não estaria comprovada cientificamente. O isolamento social vem sendo indicado por instituições de saúde, especialistas e cientistas do mundo todo como forma de conter o coronavírus.
Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde se pronunciou sobre o tema, reforçando que as medidas de isolamento social são a melhor alternativa pra conter a propagação do vírus. Essas ações ajudam a desacelerar a disseminação da doença, ao limitar o contato entre as pessoas, explicou a organização em diversos momentos desde o início da pandemia.
Além disso, diversos estudos feitos comprovaram a eficácia do isolamento social. Um deles, do Imperial College, de Londres, estimou em 3,1 milhões de vidas salvas em 11 países europeus com a adoção de medidas de confinamento. Outra pesquisa, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, apontou que medidas de isolamento impediram cerca de 60 milhões de novas infecções nos EUA e 285 milhões na China.
Número de óbitos "nunca foi escondido"
A informação é falsa. No começo de junho de 2020, o Ministério da Saúde tirou do ar o site oficial com dados de casos confirmados e registros de mortes por coronavírus no Brasil. Na época, técnicos da pasta foram surpreendidos com a nova orientação de Pazuello, então ministro interino da Saúde. A ordem do militar foi dada após uma reunião com outros assessores, que haviam começado a trabalhar com Pazuello em áreas estratégicas da pasta.
Quando a plataforma voltou, após mais de 19 horas fora do ar, apresentava apenas informações sobre novos casos, registrados no dia — ocultando ainda o número de mortes. Após alguns dias depois, a disponibilização de informações foi normalizada.
Antes de o site ficar fora do ar, o horário de divulgação dos dados sofreu reajuste. Antes de Pazuello assumir, informações sobre mortes e casos de coronavírus no Brasil eram atualizadas entre as 17h e as 19h. Depois, o boletim chegou a ser atualizado às 22h.
Questionado sobre a mudança de horário, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, que "acabou matéria no Jornal Nacional" sobre a doença. Bolsonaro não confirmou se foi dele a ordem para alterar a divulgação, mas disse concordar com o novo horário.
"Nós não mandamos fechar nenhum hospital (...) Isso aí veio pela própria demanda do Estado"
A fala de Pazuello foi dada em resposta a um questionamento sobre o fechamento do Hospital de Campanha (HCamp) de Águas Lindas, que atendia casos confirmados e suspeitos de covid-19 nos municípios da região do Entorno do Distrito Federal.
No entanto, a informação é falsa, segundo a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás. A pasta informou ao Ministério Público Federal que o Ministério da Saúde havia recusado, em setembro de 2020, o pedido do governo estadual para manter a unidade em funcionamento. No entanto, o ministério, que era conduzido por Pazuello naquele período, negou o pedido e definiu que o hospital funcionaria somente por mais 30 dias. A informação foi divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo.