Em campos opostos da política desde a década de 1990, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) almoçaram juntos, no dia 12, em São Paulo, na casa do ex-ministro Nelson Jobim, amigo dos dois. O encontro, promovido por Jobim e tornado público na sexta-feira (21), ocorreu após Fernando Henrique dizer que, em um eventual segundo turno entre o presidente Jair Bolsonaro e Lula, na eleição de 2022, não teria dúvida em votar no petista.
A aproximação incomodou o PSDB, no momento em que tucanos organizam prévias para a escolha do concorrente à Presidência, e causou preocupação no Palácio do Planalto. Diante das dificuldades para a construção da chamada terceira via, Lula se apresenta como um candidato moderado, que deseja atrair o centro político, faz acenos à direita e tenta quebrar resistências no empresariado.
A ideia do PT é criar uma frente que reúna vários partidos e setores da sociedade contra Bolsonaro. Na conversa de três horas, Lula e FHC abordaram a gravidade da crise provocada pelo coronavírus (e a CPI da Covid no Senado), o "descaso do governo no enfrentamento da pandemia", frase usada pelo petista, e as dificuldades no campo econômico.
"A convite do ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reuniram para um almoço com muita democracia no cardápio", postou Lula nas redes sociais, com a foto do encontro.
Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o momento de divulgar o encontro e até o texto postado nas mídias digitais foi combinado entre FHC e Lula. A reunião estava sendo articulada há mais de um mês e foi considerada "amistosa" pelas duas partes.
Na terça-feira (18), seis dias depois do encontro, FHC classificou Lula como "um democrata", em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo. Ao jornal Valor Econômico, no dia 14, e à Rádio Eldorado, nesta semana, FHC reiterou a disposição de votar em Lula caso ele dispute o segundo turno contra Bolsonaro.
— Continuo buscando uma terceira via entre Bolsonaro e Lula. Se possível, no PSDB. Se essa não acontecer, não vou deixar meu voto em branco — disse FHC ao jornal O Estado de S.Paulo.
Sinais trocados
A reunião na casa de Jobim foi criticada pela cúpula do PSDB, que mostrou apreensão com os "sinais trocados" embutidos na divulgação do almoço. O partido tem quatro pré-candidatos à sucessão de Bolsonaro: os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite , o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. As prévias para escolher quem representará a sigla estão marcadas para 17 de outubro, mas há um movimento para adiá-las.
— Esse encontro ajuda a derrotar Bolsonaro, mas não faz bem a um potencial candidato do PSDB. Nossa característica é saber dialogar, inclusive com adversários políticos. De toda forma, precisamos evitar sinais trocados a nossos eleitores. O partido segue firme na construção de uma candidatura distante dos extremos que se estabeleceram na democracia brasileira — avaliou o presidente do PSDB, Bruno Araújo.
Na sexta-feira (21), o governador do Estado, Eduardo Leite, publicou em suas redes sociais um comentário sobre o assunto.
Sem citar os ex-presidentes, Bolsonaro aproveitou uma cerimônia no Maranhão, na sexta-feira (21), para dirigir xingamentos aos rivais:
— Falando em política, para o ano que vem já tem uma chapa formada: um ladrão candidato a presidente e um vagabundo como vice.
Adversários, mas não inimigos, FHC e Lula vinham se estranhando há tempos. O tucano nunca perdoou o petista por dizer que encontrou uma "herança maldita" quando assumiu a presidência, em 2003. Lula, por sua vez, nunca se conformou com o fato de o PSDB ter apoiado o impeachment da então presidente Dilma Rousseff e de FHC não ter saído em sua defesa quando ele foi alvo da Lava-Jato.
Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou as condenações impostas a Lula, interlocutores do PSDB e do PT tentam aproximar os dois líderes, sob o argumento de que é preciso construir um campo de "democratas" para enfrentar Bolsonaro. Um dos entusiastas da ideia é justamente Jobim, ex-presidente do STF e ex-ministro da Justiça de FHC e da Defesa nos governos de Lula e Dilma.
— Nossa principal missão hoje, talvez a mais importante, é parar o clima de ódio nesse país. O diálogo e a aceitação da divergência devem ser permanentes. Entendo esse gesto do ex-presidente Fernando Henrique nessa direção – destacou Tasso Jereissati.
Arthur Virgílio foi na mesma linha:
— Achei uma tempestade em copo d'água essa polêmica toda. Política a gente faz com calma, frieza e a objetividade de chegar ao poder. O partido tem de se encontrar – insistiu Virgílio.
Para o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), um dos articuladores da terceira via, o encontro entre FHC e Lula reflete a "falta de clareza" do PSDB.
— Mas a visão de país do Fernando Henrique não é de quem vai para esses polos populistas. Acho que isso foi um recado para o Doria — disse Mandetta, que conversou com o ex-presidente recentemente.