Um mês depois de uma cena repercutir durante ato no Parque Moinhos de Vento, o Parcão, em Porto Alegre, a Polícia Civil concluiu que dois manifestantes cometeram crime ao encenar o enforcamento de uma pessoa e usar traje semelhante ao da Ku Klux Klan. Em depoimento, os dois negaram que tivessem intenção de representar o grupo extremista dos Estados Unidos que defendia uma ideia de supremacia branca.
O ato aconteceu durante manifestação a favor do presidente Jair Bolsonaro e contra ministros do Supremo Tribunal Federal, em 21 de abril. Em vídeos divulgados pelas redes sociais, é possível ver um homem com uma túnica e máscara na cor marrom. Um manequim, com uma roupa preta, foi pendurado em uma árvore, simulando um enforcamento. O caso passou a ser investigado pela Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância a partir da manifestação realizada por vereadores da Capital e por 11 organizações civis.
O inquérito foi concluído nesta sexta-feira (21) e remetido ao Judiciário. Dois homens foram indiciados pelo artigo 20, da Lei 7.716/89 (Lei do Crime Racial). A legislação prevê como crime praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional. A pena prevista, para casos de condenação, é de reclusão de um a três anos e multa.
Segundo a delegada Andrea Mattos, o indiciado que usava o traje e outro que aparece em imagens captadas no local, e teria sido um dos responsáveis por organizar a encenação, foram ouvidos durante a apuração. Eles alegaram que pretendiam com a cena representar um carrasco da Idade Média. Nos vídeos, é possível ouvir um dos manifestantes gritar:
— O que nós viemos fazer aqui hoje, gente? Viemos acabar com o comunismo. Hoje, é o fim do comunismo. Alguém quer o comunismo aqui ainda? Querem o comunismo? Fim do comunismo.
No entendimento da polícia, o crime foi cometido pelos dois por dolo eventual. Ou seja, embora tenham alegado que não pretendiam representar o grupo que promovia ataques especialmente aos negros, assumiram o risco de que a cena fosse interpretada dessa forma.
— Um dos argumentos deles foi cor da roupa, que é marrom. E da Klan seria branca. Para nós, isso não procede já que a mensagem da roupa, o capuz pontiagudo, é exatamente igual. A cena como um todo remete historicamente, incontestavelmente, às cenas da Klan. Eles reconheceram que conheciam a Klan. Todos afirmaram que conheciam o grupo e sua filosofia. A cena foi realizada em praça pública. Na minha visão, o espetáculo por si só incita a violência. Mesmo que de maneira indireta, atenta contra os direitos humanos — afirma a delegada.
Sobre a cena do enforcamento, os dois afirmaram que fizeram uma homenagem a Tiradentes. Um dos investigados, alegou que o boneco estava vestido de preto para diferenciar da cor marrom.
— Os depoimentos foram confusos. Fazem associação à era medieval, à Inconfidência Mineira, e durante a manifestação falam do comunismo. Usaram uma série de elementos que extrapolam o que seria o direito à liberdade de expressão. Na minha visão, praticaram o delito no mínimo com dolo eventual. Já que conheciam a Klan, sabem o que é, e tinham condição de saber que aquela fantasia poderia gerar essa alusão — conclui a delegada.
Os nomes dos indiciados não foram divulgados pela Polícia Civil, em razão da Lei de Abuso de Autoridade.