Os casos são complexos e ensejam cautela nas análises, mas especialistas em Direito Penal e Constitucional avaliam como reais as chances de prescrever ao menos uma parte dos crimes imputados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava-Jato e julgados na 13ª Vara Federal de Curitiba. Quando um crime prescreve, o Estado perde o direito de punir o acusado, pois a ação judicial não ocorreu dentro do prazo legal.
As análises jurídicas se enlaçam com o temor manifestado pelo procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal (MPF), um dos autores das acusações contra Lula. O ex-coordenador da força-tarefa da Lava-Jato afirmou que os casos poderiam prescrever após decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular os atos decisórios dos processos contra Lula. O magistrado considerou que a 13ª Vara Federal de Curitiba não se tratava do juízo competente para os julgamentos.
Na decisão proferida na segunda-feira (8), Fachin designou os casos para a Justiça Federal de Brasília, que, de acordo com o ministro, tem competência para analisar os processos.
Para Lenio Streck, procurador aposentado do Ministério Público do Rio Grande do Sul, jurista e professor da Faculdade de Direito da Unisinos, o caso do triplex do Guarujá, em São Paulo, já prescreveu por inteiro.
Nesta acusação, Lula foi condenado pelo ex-juiz Sergio Moro em primeira instância a nove anos e seis meses de prisão. A condenação foi mantida e a pena foi aumentada para 12 anos e um mês pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região (TRF4), segunda instância. Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ), terceira instância, manteve a condenação, mas reduziu a penalidade de reclusão para oito anos e 10 meses.
Para contagem de prescrição, não vale analisar o somatório da pena, mas, sim, a dosimetria para cada crime. Neste caso, foram aplicados ao ex-presidente cinco anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e três anos e quatro meses por lavagem de dinheiro.
De acordo com o artigo 109 do Código Penal — que diz que os prazos de prescrição são de acordo com o tamanho de cada pena —, os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro atribuídos a Lula prescreveriam em 12 anos e oito anos, respectivamente, a partir da data do ato criminoso. Como o ex-presidente tem mais de 70 anos, a prescrição cai pela metade, de acordo com a lei brasileira. Lula tem 75 anos.
Dessa forma, o prazo prescricional cai para seis e quatro anos.
— Para o STJ, os últimos fatos foram em 2014. Como transitou em julgado para a acusação, estão prescritos — diz Streck.
Ou seja, a acusação de corrupção passiva, cuja pena foi maior, teria prescrito em 2020, considerando que o último delito atribuído ao petista foi em 2014, avalia Streck.
Sítio de Atibaia
Já no processo do sítio de Atibaia, em que Lula foi condenado a 17 anos e um mês de prisão em duas instâncias, especialistas acreditam que o ex-presidente poderá responder a alguns dos crimes — outra parcela também poderá prescrever, a depender das datas finais das imputações.
Em parte dos crimes de Atibaia, a prescrição é de 16 anos, reduzidos para oito anos em função da idade do réu, sendo que o último delito imputado foi em 2014. Isso joga a prescrição para 2022. Até lá, entendem especialistas, o novo juízo do Distrito Federal poderá dar andamento ao caso e evitar, assim, a prescrição com o ato de admissibilidade da ação.
— Uma vez reconhecida a admissibilidade, interrompe-se novamente a prescrição. Atualmente, isso é rápido e por meios eletrônicos. O primeiro ato decisório de um novo juízo é sobre a admissibilidade do caso — avalia Lúcio de Constantino, especialista em Direito Penal.
Constantino chama a atenção para a estratégia do Ministério Público, que poderá ser relevante para o desfecho. Caso a Procuradoria-Geral da República (PGR) mantenha a decisão de recorrer da decisão de Fachin de anular os atos decisórios, levando a discussão ao plenário do STF, a admissibilidade da ação no Distrito Federal irá atrasar, e o prazo prescricional no caso do sítio poderá ser alcançado em 2022.
Meios de prescrição
Ex-procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Sergio Porto destaca que existem dois meios de prescrição: “em abstrato” e “em concreto”.
A primeira hipótese, em abstrato, ocorre quando o tempo transcorre, e o aparelho judicial do Estado não emite nenhuma condenação. Perde-se, neste caso, a “pretensão punitiva”. O Estado não pode mais tentar punir.
O caso de Lula é mais assemelhado ao da prescrição em concreto — quando há decisão condenatória, mas ela eventualmente chega em momento tardio, e o Estado não pode mais aplicar a pena. Perde-se, neste caso, a “pretensão executória”.
— Olhando para o histórico e a complexidade, eu não excluiria a hipótese de que possa ocorrer a prescrição, dependendo da condução pelo Judiciário — diz Porto.
Streck chama atenção para o julgamento da suspeição de Moro, iniciado nesta terça-feira (9) no STF, o que ainda poderá impactar no processo do sítio de Atibaia em novo juízo. A decisão foi adiada após pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques. O placar está empatado em 2 a 2.
— Acredito que Lula responderá ao processo de Atibaia. Mas, caso Moro seja declarado suspeito, todas as provas têm de ser refeitas. É muito difícil — observou o jurista.
Além dos processos do sítio de Atibaia e do triplex, também foram atingidos pela decisão de Fachin outras duas denúncias do MPF contra o ex-presidente por conta do Instituto Lula. Nestes casos, não havia sentença e a análise também deverá ocorrer no Distrito Federal.