O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é o primeiro a votar na retomada do julgamento na Segunda Turma que discute nesta terça-feira (9) a atuação do ex-juiz federal Sergio Moro nos processos abertos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir das investigações Operação Lava-Jato.
Na avaliação do ministro, o ex-juiz agiu com parcialidade ao condenar o petista por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Caso os colegas sigam o entendimento e formem maioria para declarar a suspeição de Moro, todas as provas reunidas contra o ex-presidente podem ser anuladas, incluindo o acervo que embasa as demais ações penais contra Lula.
Conhecido crítico aos métodos da Lava-Jato, Gilmar reuniu em seu discurso um compilado de votos anteriores em que alertou para o modus operandi da operação. Segundo o ministro, a história recente do Poder Judiciário ficará marcada pelo "experimento de um projeto populista de poder político".
— O resumo da ópera é: você não combate crime cometendo crime. Ninguém pode se achar o ó do borogodó. Cada um terá o seu tamanho no final da história. Calcem as sandálias da humildade. Eram as palavras daquele que vos fala em dezembro de 2016. Na presença dos membros da Lava Jato e do juiz Sergio Moro — lembrou o ministro. — O combate à corrupção é digna de elogios. Mas o combate à corrupção deve ser feito dentro dos moldes legais. Não se combate crime cometendo crime — acrescentou.
Para se declarar "insuspeito" no julgamento, Gilmar lembrou ainda que não chegou ao tribunal pelas mãos de ex-presidente petistas e, por isso, não pode ser acusado de nutrir "simpatia" ou de ter "envolvimento com o PT".
— Não obstante eu sempre soube distinguir o que é ser adversário do que é ser inimigo. E eu tentava dizer isso dos próprios próceres do PT. A democracia exige oposição, adversariedade, mas ela não pode tolerar com um modelo do amigo e inimigo. Não é disso que se cuida. Quem está na oposição hoje pode estar no poder amanhã. Para isso é preciso que ele subsista, e não que seja extinguido — disse. — Não tenho políticos de predileção. Agora acho que não se pode permitir fazer política por meio da persecução penal —completou.
Durante o discurso, o ministro fez críticas contundentes às "alongadas prisões de Curitiba" e às "intenções espúrias da força-tarefa no sentido de hastear sobre toda e qualquer investigação relacionada à criminalidade econômica no país".
— Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional. É inaceitável, sob qualquer perspectiva, esse tipo de comportamento, felizmente raro — disse sobre a conduta de Moro. — A Justiça Federal está vivendo uma imensa crise a partir deste fenômeno de Curitiba, que se nacionalizou — acrescentou.
Na avaliação do ministro, os métodos de Curitiba teriam "contaminado" também a 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, responsável pelos processos da Lava-Jato fluminense.
— A tal 7ª vara do Rio de Janeiro, não sei porque o escândalo ainda não veio à tona, mas o que se fala em torno dessa vara também é de de corar frade de pedra — disparou.
O ministro ainda lembrou da condução coercitiva de Lula para ser interrogado pela Polícia Federal nos autos da Operação Alethea, 24ª fase da Lava-Jato, ordenada pelo então juiz Sérgio Moro. Para Gilmar, a determinação foi um "hediondo estado-espetáculo de caráter policialesco".
— O que justificaria a solução de submeter o ex-presidente do constrangimento de uma condução sob vara? —questionou.
Gilmar Mendes também disse que Moro agiu para "preservar o seu projeto de poder" ao se manifestar contra o cumprimento da decisão, tomada no plantão judiciário pelo desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Rogério Favreto, que mandou soltar o ex-presidente, preso em Curitiba havia quase três meses, em julho de 2018.
O ministro também fez a leitura de diversos trechos de mensagens hackeadas dos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, posteriormente apreendidas na Operação Spoofing, que prendeu o grupo responsável pelo ataque cibernético, e liberadas ao ex-presidente pelo Supremo Tribunal Federal.
— Qualquer semelhança com ações julgadas em regimes autoritários não é mera coincidência — disse Gilmar sobre os diálogos.