O governador Eduardo Leite criticou, nesta sexta-feira (19), ação direta de inconstitucionalidade (ADI) protocolada pelo governo federal no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decretos do Estado no âmbito de restrições ao comércio no combate ao coronavírus.
Na ação, que também tem os governos da Bahia e do Distrito Federal como alvos, a gestão de Jair Bolsonaro tenta derrubar dois decretos do RS, destacando trechos que vetam a venda de algumas mercadorias em estabelecimentos que comercializam produtos essenciais, como os supermercados.
Leite diz que Bolsonaro “chega atrasado” nessa discussão, pois os efeitos do decreto que estabelece essas medidas no Estado têm validade até domingo (21) e novas normas deverão ser adotadas a partir de segunda-feira (22). Segundo o governador, essa postura do presidente não surpreende, pois ele “já atrasou o país tudo o que pode na compra de vacinas”. Leite também afirmou que Bolsonaro coloca energia no conflito:
— O presidente chega, portanto, atrasado e infelizmente coloca energia em conflito, em confronto, em enfrentamento, desprezando a gravidade da pandemia, quando ele poderia estar colocando essa energia toda em ajudar. Em conseguir vacina para a população, que é isso, presidente, que a população precisa, vacina. Não confronto e conflito como o senhor está estabelecendo.
Leite também afirma que a lei federal que trata sobre a covid-19 dá competência aos Estados para estabelecer o que é essencial e o que pode ser comercializado nesses tempos excepcionais. Leite explica os motivos para proibir a venda de alguns produtos em estabelecimentos, citando dois pontos principais:
— Por isso estabelecemos na nossa norma, no nosso decreto estadual, a possibilidade apenas de venda de itens essenciais para que se reduza a circulação de pessoas e também para não ferir a concorrência, uma vez que alguns mercados poderiam vender itens que outras lojas fechadas não estariam podendo vender.
Ação no STF
A ação encaminhada ao STF foi assinada por Bolsonaro na quinta-feira. No entendimento do governo federal, algumas medidas adotadas pelos Estados configuram estado de sítio, prerrogativa do presidente da República que precisa do aval do Congresso para entrar em vigor. No âmbito das atividades econômicas, o governo federal afirma que algumas medidas atacam a liberdade econômica, citando o RS como exemplo na questão da proibição de produtos não essenciais.
No caso do Distrito Federal e da Bahia, o governo federal critica as medidas voltadas a impedir a circulação dos cidadãos em determinados horários.
O que diz a PGE
A Procuradoria-Geral do Estado se manifestou sobre o tema por meio de nota. Segundo a instituição, a Ação Direta de Inconstitucionalidade "além de se mostrar desprovida de fundamentos constitucionais, ignora as circunstâncias excepcionais decorrentes da pandemia vivenciada pelo País, partindo da premissa de que se esteja vivendo uma situação de normalidade".
"O documento parte de premissas equivocadas e desconsidera o justo equilíbrio que deve haver entre a proteção à saúde pública e o livre exercício das atividades econômicas, bem como os fundamentos constitucionais que impõem à União e aos Estados e Municípios o dever de zelar pela saúde da população (art. 23, II; 196; 197; 198 e 200 da Constituição Federal)", afirma a nota. Confira abaixo na íntegra:
A ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Presidente da República em face de Decretos do Distrito Federal e dos Estados do Rio Grande do Sul e da Bahia editados no exercício da competência legal e constitucional de enfrentamento à pandemia de COVID-19, além de se mostrar desprovida de fundamentos constitucionais, ignora as circunstâncias excepcionais decorrentes da pandemia vivenciada pelo País, partindo da premissa de que se esteja vivendo uma situação de normalidade.
Ainda assim, o documento parte de premissas equivocadas e desconsidera o justo equilíbrio que deve haver entre a proteção à saúde pública e o livre exercício das atividades econômicas, bem como os fundamentos constitucionais que impõem à União e aos Estados e Municípios o dever de zelar pela saúde da população (art. 23, II; 196; 197; 198 e 200 da Constituição Federal).
A ação também minimiza a decisão do Congresso Nacional que, ao editar a Lei Federal nº 13.979/20, estabeleceu à União, aos Estados e aos Municípios o poder/dever de adotar as medidas sanitárias necessárias para evitar a propagação do novo Coronavírus, definindo, em seus artigos art. 2º e 3º, instrumentos que compreendem até mesmo a restrição de atividades, por meio de isolamento e quarentena, bem como definiu que decreto da respectiva unidade federativa disporá acerca dos produtos e atividades essenciais (art. 3º, § 9º, com a redação dada pela Lei Federal nº 14.035/20).
Cumpre ainda lembrar que, até a alteração realizada pela Lei Federal nº 14.035/20, competia ao Presidente da República definir as atividades essenciais e este, no Decreto nº 10.282/20, assim considerou aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Quanto aos Decretos do Estado do Rio Grande do Sul impugnados, cumpre destacar que, apesar de terem vigência temporária, foram expedidos a partir de evidências científicas e com observância ao plexo normativo atinente à proteção da saúde pública e à liberdade econômica, respeitando, inclusive, o disposto no art. 4º, inciso I, da Lei da Liberdade Econômica, o qual determina que o Poder Público deverá evitar o favorecimento a grupos econômicos em prejuízo dos demais concorrentes, situação que ocorreria se autorizada a venda, indiscriminadamente, de quaisquer produtos por supermercados, enquanto os demais estabelecimentos comerciais não puderem ter o seu funcionamento com atendimento ao público autorizado.
Diante disso, reafirma-se a constitucionalidade e legalidade das medidas sanitárias impugnadas pelo Presidente da República, em ação que, além de não trazer fundamentos constitucionais válidos para uma ação de controle concentrado, não conta nem sequer com a anuência do Advogado-Geral da União.