A eclosão de sucessivos atos favoráveis e contrários ao presidente Jair Bolsonaro em diversas capitais neste domingo (31) escancarou a divisão política no país, cujo antagonismo nas ruas estava ocultado pela pandemia do coronavírus. Se depender da disposição de ambos os lados, a partir de agora todo domingo será dia de medir forças para ver quem arrasta mais pessoas às manifestações Brasil afora.
Com organização nacional e ramais nos Estados, os apoiadores do governo preparam novos atos para pelo menos os três próximos finais de semana. O objetivo é chegar ao dia 21 de junho com o que projetam como uma megamanifestação em defesa de Bolsonaro e pedindo o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em contrapartida, os grupos de oposição ao presidente, autointitulados antifascistas, não pretendem deixar os adversários falando sozinhos. Vestidos de preto, eles prometem se contrapor a cada ato promovido pelos militantes de verde e amarelo. A bandeira do Brasil, que antes aparecia como aparato exclusivo dos bolsonaristas, agora também surge nos protestos rivais.
Radicada em Brasília, a gaúcha Paula Cassol é uma das organizadoras dos atos em defesa de Bolsonaro. Por telefone, ela e outras lideranças do movimento articulam a realização das manifestações nos Estados, conforme ocorreu no último domingo no Parcão, em Porto Alegre. A ativista minimiza os pedidos de intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF, alegando que são exceções. Paula reclama da presença do grupo adversário nas ruas, como ocorreu em São Paulo neste final de semana, quando torcidas organizadas dos times de futebol coordenaram a marcha anti-Bolsonaro. Os protestos contra o governo, sustenta, são concebidos para transformar as manifestações em confronto.
— Estamos sendo perseguidos pela extrema-esquerda, esse grupo radical que agora vai às ruas para tentar fazer aqui o que está acontecendo nos Estados Unidos, com fogo e quebra-quebra. Mas não vamos nos esconder. Por isso algumas pessoas clamam pelas Forças Armadas, porque a tiazinha do WhatsApp não vai pegar em arma para enfrentar a Gaviões da Fiel. Ninguém quer guerra civil, mas a gente não vai deixar a esquerda tomar conta das ruas — afirma.
Presidente do PSOL de Porto Alegre e presente em duas das quatro manifestações de contraponto ao bolsonarismo realizadas em Porto Alegre, o vereador Roberto Robaina admite que é difícil controlar um grupo numeroso que toma as ruas bradando contra quem considera fascista. Robaina diz que o movimento espontâneo surgiu na Capital no início de maio, em resposta aos sucessivos atos por intervenção militar. Vídeos e relatos do que eles chamam de "resistência" viralizaram nas redes sociais, estimulando ativistas de esquerda de várias cidades do país. No domingo, mais 300 pessoas participaram do protesto no Centro Histórico, maior número até então e que levou os simpatizantes do governo a encerrarem mais cedo sua manifestação.
— Nosso ato é espontâneo, mas óbvio que tem uma preparação prévia. É um caldo de inconformismo que surgiu lá nas jornadas de 2013, permeia todas as lutas do PSOL e nesse final de semana foi estimulado pela rebelião negra e juvenil nos Estados Unidos. Ali tinha militantes, anarquistas, torcidas organizadas, muita gente que cansou das provocações antidemocráticas do Bolsonaro. Quando se tem um movimento de massa, há risco de violência, mas buscamos ao máximo controlar todo mundo — diz.
Na avaliação do cientista político Carlos Melo, é preciso um urgente consenso entre as forças políticas de centro, esquerda e direita, na busca de uma convivência pacífica entre quem está nas ruas. Melo considera iminente o confronto entre os grupos antagônicos e acredita que isso somente não aconteceu antes porque uma das partes estava exilada em casa em razão da pandemia. Com os grupos agora separados apenas por batalhões de choque, ele defende uma atuação mais rígida dos governadores, sobretudo no controle das polícias.
— De um lado, temos o presidente Bolsonaro, que nunca foi um político de conciliação. Do outro, não parece haver liderança homogênea. Em São Paulo, quem estava nas ruas eram torcidas organizadas. Então todo mundo brada por democracia, mas ninguém deseja realmente o império da lei. É preciso que os governadores façam cumprir a lei, desarmando quem estiver armado, contendo excessos de ambos os lados, impedindo que apenas um grupo seja reprimido. Não se pode perder o controle da rua, sob pena de que isso vire desculpa para um endurecimento. É preciso cumprir a Constituição — comenta.
Para o filósofo José Arthur Giannotti, a escalada na beligerância das manifestações representa um risco à convivência democrática. O professor teme ainda que a disputa política acabe consumindo os esforços pelo controle da pandemia e também pela recuperação da economia, abalada pela restrição das atividades.
— Temos uma luta política de uma brutalidade enorme, onde a representação da sociedade está refletindo um dos aspectos mais terríveis da nossa miséria e do nosso ridículo. Com a pandemia e a desestruturação política, no fim do ano a queda do PIB será de 7% — projeta.