Durou mais de oito horas o depoimento do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, neste sábado (2), na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. A oitiva foi parte inicial do inquérito 4831, aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), para investigar as acusações feitas por Moro de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir no trabalho da PF, inclusive em inquéritos vinculados a familiares.
Relator do caso no STF, o ministro Celso do Mello havia concedido, na última terça-feira (28), prazo de 60 dias para que Moro fosse ouvido pelos delegados da PF que encabeçam a investigação. Quarenta e oito horas depois, na quinta-feira (30), Celso de Mello acatou um pedido de redução de prazo apresentado por parlamentares e reduziu para cinco dias o tempo disponível para a tomada de depoimento de Moro. O ministro acatou a alegação de urgência diante de instabilidade política que pode atrapalhar o país no combate às crises na saúde e na economia.
A oitiva foi marcada para este sábado (2), tendo começado pouco depois das 14h, com término em torno das 23h. A demora no depoimento foi tamanha que pizzas foram pedidas para a janta dos profissionais que estavam trabalhando na Superintendência da PF. Confira abaixo os caminhos da investigação que pode causar o afastamento de Bolsonaro do cargo, em caso de avanço.
Ao autorizar a abertura de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu origem a uma investigação que pode culminar com o afastamento do cargo da maior autoridade do país. Essa decisão, contudo, depende de eventual denúncia a ser apresentada pela Procuradoria-Geral da República e avalizada pela Câmara dos Deputados.
Bolsonaro está sendo investigado a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. Na petição encaminhada à Corte e destinada por sorteio ao ministro Celso de Mello, Aras aponta que não só o presidente, mas também o ex-ministro da Justiça Sergio Moro pode ter cometido crimes.
O procurador cita oito ilícitos penais: falsidade ideológica, advocacia administrativa, coação no curso do processo, prevaricação, obstrução de justiça e corrupção passiva privilegiada, além de denunciação caluniosa e crimes contra a honra. Em tese, os seis primeiros crimes poderiam ter sido cometidos por Bolsonaro. Os dois últimos, por Moro.
O inquérito está baseado no pronunciamento feito semana passada pelo ex-ministro. Ao anunciar seu pedido de demissão, Moro disse que o presidente tentava interferir na condução da Polícia Federal (PF), com acesso a relatórios sigilosos de inteligência. O ex-juiz também afirmou não ter assinado o ato de exoneração do então diretor-geral da PF Maurício Valeixo, conforme constou em decreto publicado no Diário Oficial da União. Ele também admitiu ter pedido o pagamento de uma pensão à família caso fosse vítima de um atentado no exercício do cargo.
Confira os próximos passos do processo e o quais as possíveis consequências para o presidente da República:
Diligências
O primeiro ato da apuração policial é a tomada de depoimento de Moro, o que está acontecendo neste sábado (2), na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Na petição inicial, Aras pediu que o ex-ministro seja interrogado e apresente documentos ou outras provas das acusações que imputou a Bolsonaro. Celso de Mello deu prazo de 60 dias para o cumprimento das diligências.
Não estão descartadas a apreensão e perícia nos celulares de Moro e da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), com quem o ex-ministro trocou mensagens sobre a troca na PF. Carla e Valeixo podem ser intimados a prestar depoimento.
Denúncia
Se ao final da investigação o procurador-geral entender que Bolsonaro cometeu algum crime, ele terá de apresentar denúncia. O presidente, contudo, só pode ser processado após autorização formal da Câmara. Assim, antes mesmo de o STF analisar a possibilidade de abertura de ação penal, tornando Bolsonaro réu, a denúncia precisa ser apreciada em plenário. No governo passado, o então presidente Michel Temer teve duas denúncias contra si rejeitadas pelos deputados.
A votação na Câmara
Na Câmara, a denúncia é encaminhada primeiro à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A partir da análise preliminar, um relatório pela aceitação ou rejeição das acusações será submetido ao plenário. Antes da votação, é preciso quórum mínimo de 342 dos 513 deputados. Somente após dois terços dos membros da Casa registrar presença começa a deliberação. Para a denúncia avançar, é exigido o voto favorável de 342 deputados. Para o governo, serve a conta inversa: se obtiver o apoio de 172 parlamentares, a denúncia é engavetada e só pode ser retomada após o final do mandato presidencial.
A denúncia no STF
Se houver permissão da Câmara para análise da denúncia, cabe ao STF a palavra final sobre a abertura de ação penal. Por se tratar do presidente da República, o julgamento não ocorre nas turmas, compostas por cinco ministros cada uma, mas no pleno, com os 11 ministros votando.
Se eles entenderem que há elementos jurídicos suficientes para um processo penal, Bolsonaro vira réu e é automaticamente afastado. Em seu lugar, assume o vice Hamilton Mourão. O afastamento se dá por 180 dias, prazo no qual o STF deve concluir o julgamento. Se isso não ocorrer, Bolsonaro reassume o cargo.
Caso seja considerado culpado, o presidente perde o mandato em definitivo e responde pelos crimes como um cidadão comum. Como são delitos de menor potencial ofensivo, é difícil que seja preso, com probabilidade maior de que receba uma pena alternativa. Se for inocentado, reassume o mandato.
Impeachment
O cronograma acima leva em consideração apenas os aspectos jurídicos a partir do inquérito criminal aberto no STF. Há ainda a possibilidade de Bolsonaro ser alvo de processo de impeachment. Na Câmara, já há mais de 20 pedidos aguardando decisão do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Se Maia acatar alguns deles, o primeiro passo é a formação de uma comissão especial para analisar a possibilidade de Bolsonaro ter cometido crime de responsabilidade.
Neste caso, o julgamento é político. São quatro votações até a conclusão do processo. Primeiro, na comissão especial. Se o pedido avançar, vai ao plenário da Câmara, onde mais uma vez são necessários 342 votos para envio admissão do impedimento. Se isso ocorrer, a abertura formal do processo é votada pelo Senado, onde é exigido o voto favorável de maioria simples, ou seja 42 dos 81 senadores.
Com o processo instaurado, o presidente é afastado do cargo por 180 dias. O julgamento definitivo ocorre mais uma vez em plenário, desta vez com exigência do voto de dois terços dos senadores para a formalização do impeachment. Se 54 parlamentares entenderem que o presidente cometeu crime de responsabilidade, ele é cassado e o vice assume em definitivo.