Chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo federal, Fabio Wajngarten propôs à Comissão de Ética Pública da Presidência deixar a condição de sócio de uma empresa que recebe dinheiro de TVs e agências de publicidade contratadas pelo próprio órgão que ele comanda, ministérios e estatais do governo Jair Bolsonaro.
Em defesa apresentada ao colegiado, que avaliará na semana que vem um possível conflito de interesses em seu caso, o secretário pediu para transferir suas cotas na sociedade para a própria esposa, a publicitária Sophie Wajngarten, com quem é casado em regime de comunhão parcial de bens.
Ele também sugere que a administração da empresa seja repassada à Sophie. Atualmente, a função é exercida pelo empresário Fabio Liberman, irmão do secretário-adjunto da Secom, Samy Liberman, amigo de infância de Wajngarten e escolhido por ele.
Os requerimentos são uma tentativa do secretário de evitar um revés em sessão da comissão da Presidência marcada para a próxima terça-feira (18). Os precedentes do colegiado são de apontar conflito de interesses em casos como o dele, o que enseja advertência ao agente público para que corrija a irregularidade. Em casos mais graves ou de insistência na impropriedade, cabe pedido de demissão do envolvido, o que também já ocorreu em situações semelhantes.
Como noticiou a Folha de S.Paulo, Wajngarten é sócio majoritário da FW Comunicação, com 95% das cotas, e a mãe dele, Clara, detém as demais. A empresa tem contratos com emissoras como a Record e a Band, além de agências como a Artplan. Na gestão do secretário, as clientes passaram a ser contempladas com percentuais maiores da verba publicitária da Secom.
A Lei 12.813, que trata do conflito entre os interesses público e privado na administração federal, proíbe o servidor de qualquer escalão de exercer atividade que implique "a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão dele ou de colegiado do qual participe".
Para integrantes da Comissão de Ética, ouvidos reservadamente pela Folha, a solução proposta pelo secretário não resolve o problema, pois as vedações da lei também alcançam familiares.
Um dos trechos proíbe o agente público de "praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão".
Na peça de defesa, entregue ao colegiado na última segunda-feira (10), o advogado de Wajngarten, Fernando Fernandes, diz que, embora o secretário não veja infração ética em seu caso, pretende deixar a empresa para estar "em absoluto compliance (conformidade com as regras)".
Transferir a gerência da FW à esposa dele asseguraria, segundo o defensor, o recebimento da "receita lícita" obtida dos clientes da empresa. O advogado sustenta que o secretário precisa dos recursos da FW para o sustento familiar, embora alegue que os valores obtidos dos clientes sejam baixos. Wajngarten nunca apresentou a lista completa dos contratantes e dos valores pagos por eles. Procurado para comentar a defesa à comissão, o chefe da Secom não se manifestou.
Em nota, a Secom disse que a sugestão de cessão de cotas da empresa para a esposa do secretário "segue jurisprudência da Comissão de Ética e não há nenhum impeditivo legal na formulação da proposta". "Não é exigível que a família abdique de sua receita, privada e anterior ao cargo, cuja aceitação visa cumprir missão como servidor público", diz.
"A defesa demonstra que todos os contratos da empresa são anteriores a sua posse, não tiveram nenhum aumento em valores e não possuem relação com o cargo que ocupa, explicado já reiteradamente a essa Folha", afirmou.
Ex-presidente da Comissão de Ética da Presidência, o advogado Mauro Menezes afirma que a lei previne o conflito de interesses na sua potencialidade, e não na sua forma consumada. Diante disso, argumenta, transferir as cotas para o cônjuge não é medida suficiente para eliminar a possibilidade de algum favorecimento dele próprio, de parentes ou de clientes.
O secretário continuaria com o domínio da verba pública, com poderes, por exemplo, de direcioná-la aos clientes de uma empresa nas mãos de uma pessoa a ele ligada.
— Se é essa a situação, ele (Wajngarten) não apresenta uma alternativa viável e isso é outro fundamento para recomendar sua exoneração — comenta Menezes.
O advogado alega haver elementos suficientes para a comissão recomendar a demissão do secretário, pois, em declaração entregue ao colegiado ao assumir, Wajngarten omitiu as atividades de sua empresa e as de parentes, bem como os contratos por elas firmados.
Segundo entendimento de Menezes, outro motivo para recomendar a demissão é o fato de Wajngarten ter alocado recursos para as clientes, o que configuraria um benefício indireto à FW.
Em 2013, no governo de Dilma Rousseff, o então diretor de Gestão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Elano Figueiredo, pediu demissão após a comissão recomendar sua exoneração por conflito de interesses. Figueiredo foi acusado de esconder que, antes de assumir o cargo, tinha trabalhado para uma operadora de planos de saúde, mesmo setor que o órgão fiscaliza.
No ano seguinte, o então ministro da Saúde de Dilma, Arthur Chioro, esteve na mira da comissão por ser dono de uma empresa de consultoria na área de saúde, a Consaúde. Inicialmente, ele havia passado suas cotas para o nome da esposa, mas a comissão só arquivou uma denúncia contra o ministro após ele comprovar que a empresa foi desativada.
O colegiado recomendou a Chioro "observar, em especial, que, na eventualidade da retomada das atividades da empresa Consaúde, evite a configuração de conflito de interesse tal como previsto" na lei.