A discussão na Câmara dos Deputados do texto-base do projeto que reduz a transparência e a punição a infrações eleitorais durou 1 hora e 36 minutos na noite do último dia 3, mas quase nenhum dos pontos do projeto foi abordado. Deputados gastaram a maior parte da sessão discutindo o valor do fundo eleitoral, decisão que não consta na proposta, e outros temas, como as mensagens da Lava-Jato e até a demissão de motoristas e cobradores em Salvador, Bahia.
O projeto aprovado pela Câmara, cujas emendas foram votadas no dia seguinte à aprovação do texto-base, deve ser votado nesta terça (17) ou quarta-feira (18) pelo Senado. O texto restringe a transparência no uso das verbas públicas e dificulta a punição daqueles que apresentem dados falsos ou incorretos em suas prestações de contas, já que torna possível correções até o julgamento do caso.
A proposta libera, ainda, o uso das verbas para vários tipos de gastos, como passagens aéreas até para pessoas não filiadas, aquisições de sedes partidárias e gastos com advogados e contadores.
No último dia 3, às 23h32min, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou a aprovação do texto-base por 263 votos contra 144. Quinze partidos orientaram suas bancadas a votar a favor da medida, entre eles o PSL do presidente Jair Bolsonaro, que só mudou de posição no minuto final, quando todos os parlamentares já haviam registrado o voto no sistema eletrônico do plenário — após isso, não há como mudar.
Além do PSL, orientaram suas bancadas a votar sim ao projeto PT, PP, MDB, PTB, PL (ex-PR), PSD, PSB, PSDB, Republicanos (ex-PRB), DEM, Solidariedade, PROS, PC do B e PV, com dissidências em várias dessas siglas. Os que orientaram suas bancadas a votar contra a proposta foram o PSOL, Cidadania, PSC e Novo. PDT e Podemos pediram aos seus deputados que não participassem da votação com o intuito de derrubá-la por falta de quórum.
A análise do mapa de votações mostra que o PT, que é a maior bancada da Câmara, deu a maior parte dos votos favoráveis à medida: 46 votos. Apenas Vander Loubet (MS) votou contra. No PSL, foram 38 votos contra e 10 a favor. Um dos que apoiaram o projeto foi o líder da bancada, Delegado Waldir (GO).
Um dos contrários foi Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente da República, que se manifestou exclusivamente contra o uso de dinheiro público nas campanhas.
— Por mim não haveria qualquer tipo de recurso público para campanhas eleitorais, já que estamos falando tanto que há uma crise financeira no país, que falta dinheiro para a saúde, que há redução do orçamento de várias pastas — defendeu.
O Novo votou fechado contra a medida e foi, ao lado do PSOL, o que mais protestou contra o projeto.
— Este é um projeto errado do início ao fim. É um absurdo o que estamos fazendo aqui hoje. Claramente percebe-se que os partidos não entenderam o recado da sociedade em relação ao que é feito na política deste país — discursou Tiago Mitraud (Novo-MG).
Grande parte dos debates da sessão foram relacionados ao fundo eleitoral, que é uma das fontes públicas de financiamento das campanhas. Há pressão para elevar essa verba de R$ 1,7 bilhão para até R$ 3,7 bilhões, mas o projeto não define valores — isso só será decidido no fim deste ano, na votação do Orçamento de 2020.
O Novo tem como política não usar esses recursos, financiando suas atividades majoritariamente com recursos de filiados e doações, muitas vindas de empresários.
— Eu acho os deputados do Partido Novo demagogos porque, na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, eles vieram com esse discurso, e eu lancei um desafio: "Nem dinheiro público, nem dinheiro de grandes empresários. Vamos todos bancar as campanhas com dinheiro próprio?" Perguntem-me se eles me responderam — criticou, também durante a sessão, a deputada Soraya Manato (PSL-ES).
A lista dos dissidentes que votaram contra a orientação de seus partidos inclui os deputados Arnaldo Jardim (Cidadania-SP, que votou a favor), Kim Kataguiri (DEM-SP, que votou contra), Capitão Augusto (PL-SP, que votou contra), Felipe Rigoni (PSB-ES, que votou contra), Julio Delgado (PSB-MG, que votou contra) e Alexandre Frota (PSDB-SP, que votou contra), entre outros.
Durante a sessão, houve tempo ainda para discussão sobre a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho.
— Eles decretam a prisão de Garotinho como quem tem poder de brincar com a vida, a moral e a família de um cidadão, tudo isso com um único objetivo: acabar com a carreira política de Garotinho e com a única coisa que lhe resta ainda, que é a sua honra — discursou Otoni de Paula (PSC-RJ).
— Ao longo da minha vida pública, eu já me deparei com muita gente estranha, pessoas vaidosas, com egos enormes. Mas confesso a Vossas Excelências que o caso de hoje eu nunca tinha visto. O indivíduo tinha um chat, um grupo no Telegram do qual só ele fazia parte. Ele mandava mensagens para ele mesmo, e ele respondia as mensagens dele mesmo — afirmou Paulo Pimenta (PT-RS) sobre revelação de mensagens do procurador Deltan Dallagnol.
Foram discutidos ainda cortes de bolsa de estudos e até a demissão de funcionários de transporte público em Salvador.
— Eu uso esta tribuna para demonstrar minha preocupação com os motoristas e cobradores de ônibus da Bahia, principalmente da capital, Salvador. Eles vêm sendo desrespeitados, vêm tendo seus direitos negados e são eles os responsáveis, sempre, por conduzir as nossas famílias — discursou Pastor Sargento Isidório (Avante-BA).