Alvo recente de declarações do presidente Jair Bolsonaro, Fernando Santa Cruz — militante estudantil desaparecido em 1974, durante a ditadura militar — foi homenageado neste sábado (31) em Porto Alegre. Ele é pai do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.
Em cerimônia no Memorial Luiz Carlos Prestes, Fernando teve sua trajetória lembrada por políticos de esquerda e defensores dos direitos humanos. De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, o militante da Ação Popular (AP) saiu de casa em fevereiro de 1974 para encontrar um amigo e nunca mais foi visto. Uma das declarações de Bolsonaro que gerou polêmica, em julho, foi no sentido oposto: de que Fernando teria sido morto pelo grupo político do qual participava.
Organizado pelo ex-deputado Pedro Ruas (PSOL), o evento recebeu também políticos do PT, do PCdoB, do PSTU e de movimentos sociais e foi marcado por discursos e apresentações musicais.
— Começamos a articular esse ato com todos os setores partidários desde o dia da declaração infeliz do Bolsonaro. Precisávamos dar uma resposta da sociedade e fazer um desagravo à história honrada do Fernando Santa Cruz — explicou Ruas.
— Jamais podemos nos esquecer daqueles que deram a vida pelo bom combate. Sofremos uma enorme violência quando esse presidente (Bolsonaro) se referiu ao Fernando como se referiu – disse o ex-governador Olívio Dutra (PT), um dos primeiros a falar no ato.
O presidente da OAB não compareceu e foi representado no ato pelo primo Augusto Santa Cruz, sobrinho de Fernando.
— Agradeço em nome de todos que tombaram na luta e de seus familiares. Essa homenagem é de todos e não só da família Santa Cruz — disse Augusto, emocionado.
Ele não chegou a conhecer o tio pessoalmente.
Ao final do discurso, Augusto leu o atestado de óbito de Fernando, que atesta seu falecimento "em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985".
Convidados para o evento, o ex-governador Tarso Genro e a ex-presidente Dilma Rousseff (ambos do PT) não compareceram.
Relembre o caso
Em julho, contrariado com a posição da OAB na investigação do caso de Adélio Bispo, autor do atentado a faca do qual foi alvo, Bolsonaro disse que o presidente da entidade não gostaria de “ouvir a verdade” sobre o desaparecimento do pai.
— Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco, e veio desaparecer no Rio de Janeiro — declarou o presidente, em 29 de julho.
Posteriormente, em uma transmissão em vídeo, o Bolsonaro disse que o pai de Santa Cruz foi morto pelo grupo de esquerda do qual fazia parte, e não pelos militares.
A afirmação do presidente contraria o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que afirma que Fernando Santa Cruz e o amigo Eduardo Collier Filho provavelmente foram presos por agentes do Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio de Janeiro.
Depoimentos do ex-analista do DOI-Codi Marival Chaves afirmam que Fernando Santa Cruz foi assassinado junto com outros ex-integrantes da Ação Popular (AP) em uma operação executada por conhecidos militares da repressão, como o então coronel do Exército Paulo Malhães (1937-2014).
Em reação às declarações de Bolsonaro, Felipe Santa Cruz afirmou que o presidente demonstrou "crueldade e falta de empatia".
“Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro — e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos”, escreveu, em nota, o presidente da OAB.