A mais recente viagem internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à Rússia e à China, expõe duas faces da política externa brasileira. De um lado, o profissionalismo diplomático do Itamaraty, demonstrado nos investimentos bilionários confirmados na visita a Pequim. Anúncios do gênero são precedidos de exaustiva negociação e preparados para serem publicizados nas cerimônias oficiais. De outro, a contaminação da visão ideológica obsoleta do governo Lula.
Deve-se saber separar a necessidade de fazer negócios com quem quer que seja do despropósito de bajular ditaduras e ditadores
O padrão histórico das relações exteriores do Brasil, guiado pelos interesses de Estado, é o do pragmatismo e do não alinhamento automático. Mas a passagem inoportuna de Lula e alentada comitiva por Moscou envergonhou o país por ter sido uma agenda irrelevante para negócios e que se prestou apenas para demonstrar deferência ao sanguinário presidente russo, Vladimir Putin, que comanda uma autocracia com impiedosa opressão interna e agressões externas.
Oficialmente, Lula foi um convidado da parada militar que celebrou os 80 anos da vitória soviética sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Na prática, foi um raro líder de democracia em um evento que, nos últimos anos, é ponto de encontro de déspotas. Na sexta-feira, estavam reunidos para aplaudir a máquina de guerra que faz milhares de vítimas na Ucrânia, invadida de forma injustificada. Ao se juntar ao grupo, o presidente brasileiro lamentavelmente confirma o seu pendor – e de uma esquerda que ainda tem a cabeça na época da Guerra Fria – de contemporizar as barbáries de regimes totalitários, como os da Venezuela e do Irã, para citar dois exemplos.
As imagens de Lula na Praça Vermelha e em cumprimento fraternal com Putin não são sinal de independência do governo brasileiro no cenário internacional ou de apreço ao multilateralismo. Pelo contrário. Desonram a democracia brasileira por passar a mensagem de alinhamento ao homem atroz que é considerado uma ameaça pela Europa pelo seu expansionismo bélico e insinuações de uso de arsenal nuclear. O autocrata cortejado por Lula, cumpre lembrar, sempre foi condenado por líderes de esquerda mais arejados, como o mandatário chileno, Gabriel Boric, e o ex-presidente uruguaio José Mujica, morto nesta terça-feira, aos 89 anos.
Deve-se saber separar a necessidade de fazer negócios com quem quer que seja do despropósito de bajular ditaduras e ditadores. A postura histórica de equidistância do Brasil nas disputas entre potências viabiliza extrair vantagens de todos os lados. É possível ter severas objeções ao modelo de governo chinês, também ditatorial, e saber aproveitar as vantagens de estreitar laços comerciais com a segunda maior economia do mundo e principal parceiro de negócios do Brasil.
Mas é desnecessário, para reforçar a proximidade com a China, fustigar mesmo que de forma indireta o outro polo, os EUA, como fez Lula, o que acentua a percepção de alinhamento. Ainda é inapropriado porque o Brasil também negocia nos bastidores algum acordo comercial com Washington, assim como faz Pequim, para conter os danos da tresloucada guerra tarifária desencadeada por Donald Trump. A altivez que o Brasil deve perseguir precisa mais profissionalismo diplomático e menos influência do viés ideológico do presidente de ocasião.