A retomada dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal (STF) soou como um alerta ao presidente Jair Bolsonaro. Ao impor logo na primeira sessão uma derrota de 10 a 0 ao governo, com a anulação da medida provisória (MP) que passava ao Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas, os ministros traçaram uma espécie de linha de ação para os próximos meses. O objetivo é frear eventuais ímpetos autoritários do Palácio do Planalto, mas jamais agir como oposição política ao presidente.
O entendimento tácito na Casa é de que o STF não deve se colocar contra o Executivo, embora seja necessário enviar recados explícitos a cada vez que o presidente ultrapassar o limite do razoável. No sábado, uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo do decano da Corte, Celso de Mello, serviu como primeiro sinal de que a maior instância do Judiciário não ficará inerte diante de eventuais atropelos à Constituição.
— No momento em que as autoridades maiores do país, como o presidente da República, descumprem a Constituição (...) isso é realmente inaceitável. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República — afirmou Celso.
No julgamento da MP, dois dias antes, ele já havia dito que o presidente havia protagonizado "inaceitável transgressão à autoridade da Constituição e do princípio fundamental da separação de poderes". No domingo, Bolsonaro afirmou estar "chateado" com Celso de Mello e disse ter sido "esculachado" pelo ministro, que, por ser o mais antigo no STF, é tido como uma espécie de porta-voz informal do colegiado.
Caso de Eduardo Bolsonaro pode chegar à Suprema Corte
A pauta do tribunal para o segundo semestre deve levar a julgamento temas caros a Bolsonaro, entre os quais ao menos duas ações envolvendo o filho caçula, Eduardo, cotado para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos, e o primogênito Flávio, investigado por suspeita de arrecadar parte dos salários dos ex-assessores. Em ambos os casos, a intenção dos ministros é se restringir às questões jurídicas, sem escorregar para juízo de valor político.
No caso da nomeação de Eduardo para à embaixada em Washington, ainda não há representação na Corte. Há uma ação civil pública correndo em primeiro grau na Bahia, e a Rede Sustentabilidade anunciou que só aguarda a confirmação da indicação no Diário Oficial da União para ingressar com um pedido no STF para sustar o ato, alegando nepotismo.
Apesar de haver precedentes de membros da Corte impedindo presidentes da República de preencher cargos de livre nomeação — nos exemplos mais recentes, ministros barraram a nomeação do ex-presidente Lula como chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff e da então deputada Cristiane Brasil para ministra do Trabalho de Michel Temer —, o entendimento majoritário é deixar essa questão para o Congresso. Como se trata de prerrogativa do Senado sabatinar o indicado e depois apreciar a nomeação em votação secreta, os ministros querem aproveitar a primazia dos senadores para desviar de um embate com o governo.
No caso de Flávio, a situação é diferente. Ao suspender a investigação contra o senador, o presidente do STF, Dias Toffoli, acabou paralisando todas as apurações criminais em andamento no país que usaram dados de órgãos de controle sem autorização judicial prévia, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Em conversas de bastidores, colegas entendem que Toffoli extrapolou o alcance de sua decisão, mas também há ministros indignados com a liberdade de ação dos servidores do Coaf e da Receita Federal nesse tipo de investigação. O próprio Toffoli, sua esposa, o ministro Gilmar Mendes e sua mulher foram alvos de apurações semelhantes.
Quem transita pelo STF e frequenta os principais gabinetes do STF afirma que esse julgamento deve balizar o comportamento da Corte para os próximos meses, por comportar fortes implicações jurídicas e políticas, além de reflexos na família do presidente da República. Não há, porém, interesse em fazer do caso um marco das relações entre os dois poderes. Por se tratar de questão criminal, é provável que se mantenha a atual correlação de forças, com um grupo mais preocupado com garantias aos réus, ligado a Gilmar Mendes, e outro pregando maior rigor legal, vinculado a Luís Roberto Barroso. Ao cabo, o interesse dos ministros é manter o equilíbrio institucional, sem deixar de lado a vigilância aos atos do Planalto.
Os casos do STF no segundo semestre
Investigação de Flávio Bolsonaro
Suspeito de ficar com parte dos salários de ex-assessores, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) teve investigação contra si suspensa por liminar do presidente Dias Toffoli. O caso está previsto para ser julgado em novembro, mas deve ser antecipado.
Nomeação de Eduardo Bolsonaro
A indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada do Brasil em Washington ainda não foi formalizada pelo Planalto, mas deve ser alvo de representação da Rede Sustentabilidade no STF tão logo seja publicada no Diário Oficial.
Suspeição de Moro
Ajuizado pela defesa do ex-presidente Lula, a exceção de suspeição do ex-juiz Sergio Moro começou a ser julgada em junho pela Segunda Turma da Corte, mas o caso acabou adiado para o segundo semestre e pode resultar na liberdade do petista.
Presidente da OAB
O STF deu 15 dias para Jair Bolsonaro explicar a declaração de que saberia como morreu Fernando Santa Cruz, desaparecido durante a ditadura e pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Bolsonaro pode ser processado pelo advogado.