A Assembleia Legislativa abriga, desde fevereiro, em uma brecha da Lei da Ficha Limpa estadual, o ex-deputado Gilmar Sossella (PDT), condenado criminalmente em segunda instância e impedido de assumir mandato. Funcionário do Banco do Brasil, o ex-parlamentar está cedido ao Parlamento. Ele foi lotado inicialmente em um cargo comissionado (CC), mas, ao perceber que a lei estadual impedia isso, a Assembleia o retirou do posto e o mantém sem cargo definido, o que, no entendimento do Legislativo, é permitido.
O ex-deputado concorreu nas últimas eleições, mas, condenado por concussão, acabou barrado pela Lei da Ficha Limpa nacional e ficou sem mandato. Sossella deixou de ser deputado em 31 de janeiro, mas, no dia seguinte, 1º de fevereiro, foi nomeado para o CC de coordenador-geral da bancada do PDT.
A deputada Juliana Brizola (PDT), ao assumir a liderança da bancada, percebeu a infração à Lei da Ficha Limpa estadual e solicitou que o ato fosse revertido. Sossella deixou de ser CC, mas a cedência foi mantida. O entendimento jurídico da Casa é de que, sem ter um cargo definido, Sossella poderia seguir atuando na Assembleia.
— Naquele momento de início da nova legislatura (fevereiro), se constatou que, efetivamente, (Sossella) não poderia ocupar um Cargo em Comissão (CC), porque estaria enquadrado na Lei da Ficha Limpa estadual. A Lei da Ficha Limpa aqui no Estado determina que quem tiver nas hipóteses da Lei da Ficha Limpa nacional não pode ocupar CC ou função gratificada (FG). O ex-deputado Sossella não ocupa nem CC nem FG, e é por isso que hoje ele se encontra na Assembleia, cedido pelo banco, mas não recebe CC ou FG. A situação dele está fora da limitação da lei — explica o procurador-geral da Assembleia, Fernando Ferreira.
O salário de Sossella é pago, indiretamente, pelo Legislativo. Como o funcionário está cedido, o Banco do Brasil deposita o vencimento, e a Assembleia informou que indeniza o banco no valor exato despedindo com o ex-deputado. O valor gasto pela Assembleia com o salário de Sossella não está disponível no portal da transparência da Casa. A assessoria de imprensa do parlamento não informa o valor. Segundo Sossella, o salário é de R$ 6,9 mil.
O local de trabalho do ex-deputado é o gabinete do líder do partido, Gerson Burmann, no 11º andar do Palácio Farroupilha. Lá, Sossella conduz audiência e reuniões, recebendo prefeitos e vereadores do interior do Estado. Apesar de ter tido a candidatura barrada e não ser deputado estadual, Sossella se considera um dos parlamentares.
— Marco audiências e tenho sido recebido como se parlamentar fosse. Foi uma injustiça. Me considero deputado porque o povo me botou aqui. Tenho 37 mil votos. Não estou de direito, mas estou de fato. Me considero deputado eleito — argumenta Sossella, que pouco antes, nesta terça-feira (9), estava sentado na Mesa Diretora da Assembleia, ao lado dos deputados que comandam o Legislativo.
O ex-deputado também lembra que está recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda pode ser considerado inocente. A esperança de Sossella é reverter a condenação.
— Estou com um recurso em Brasília. Não sei se vou recuperar o mandato. Mas, em que pese isso, a população me deu a 29ª melhor votação — argumenta.
GaúchaZH já havia mostrado, no fim de junho, que Sossella estava trabalhando na Assembleia. Após a publicação daquela reportagem, o Ministério Público (MP) estadual afirmou que abriu expediente para apurar se há eventual irregularidade.
A Lei da Ficha Limpa estadual (Lei 14.869/16) diz que “é vedada a nomeação de pessoas que se enquadram nas condições de inelegibilidade previstas pela Lei Complementar Federal n.º 135, de 4 de junho de 2010 (Lei da Ficha Limpa nacional), para todos os cargos públicos estaduais de provimento efetivo, em comissão ou com gratificação de função”. A norma, contudo, não trata de casos de cedência de funcionários “ficha suja” para órgãos de Estado.
Ao saber da situação, a autora da Lei da Ficha Limpa estadual, deputada Zilá Breitenbach (PSDB), também buscou informações na Procuradoria e prometeu acompanhar o caso.
— Cabe aos órgãos competentes tomar as decisões de acatar ou de interpretar a lei. A gente está acompanhando isso com a responsabilidade de quem não quer prejudicar ninguém, mas com cuidado de quem elaborou uma lei aprovada por unanimidade. Se existe a lei, que seja cumprida. Se a interpretação da lei não fere o princípio da lei, aceitaremos — pondera Zilá.
O Banco do Brasil, procurado por GaúchaZH, não respondeu quando a cedência de Sossella foi solicitada, quando foi autorizada e quem foi o responsável pela decisão na instituição financeira.