A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que, além de ter feito a interceptação telefônica do escritório de advocacia representante do petista, a Operação Lava-Jato produziu relatórios que detalharam ao menos 14 horas de conversas entre os defensores. Essa é a base da principal aposta para tentar anular no Supremo Tribunal Federal (STF) a condenação do ex-presidente no caso do tríplex de Guarujá (SP).
O petista está preso desde abril de 2018, após ser condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro nesse caso. Em abril deste ano, a pena foi reduzida para 8 anos, 10 meses e 20 dias pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), abrindo caminho para progressão ao regime semiaberto.
A defesa do ex-presidente, no entanto, ainda tenta a anulação do processo no STF com base em uma ação ingressada em 2018 e que traz como base um relato do advogado Pedro Henrique Viana Martinez.
O defensor não faz mais parte da equipe contratada pelo petista, mas diz ter visto na 13ª Vara Federal de Curitiba os relatórios produzidos a partir das interceptações telefônicas do ramal-tronco do escritório Teixeira Martins & Advogados, responsável pela defesa técnica de Lula. Esta é a mesma vara em que o então juiz e atual ministro da Justiça Sergio Moro atuava.
Diálogos entre advogados e também de defensores com seus clientes são sigilosos e protegidos por lei.
O ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, já rejeitou no mês passado um recurso da defesa de Lula que questionava a imparcialidade de Moro como juiz nos processos contra o ex-presidente. Essa ação, ainda pendente no Supremo, trata da interceptação autorizada em 2016 por Moro no telefone do escritório de advocacia onde atua Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente, nos meses de fevereiro a março daquele ano.
À época, a decisão de Moro de grampear os advogados de Lula foi questionada pelo ministro do STF Teori Zavascki, morto em janeiro de 2017. Moro respondeu que houve equívoco dos procuradores da Lava-Jato, que teriam identificado a linha telefônica como sendo da empresa de palestras do ex-presidente.
O advogado Viana Martinez, porém, afirma ter visto as provas de que esse material, incluindo análises de estratégias da defesa, foi usado pelos investigadores da Lava-Jato.
Ele diz que, em 2017, quando fazia parte do escritório que defendia Lula, esteve na vara de Curitiba, onde havia mais de 110 mil arquivos de áudio derivados de diversas linhas telefônicas de pessoas do círculo íntimo do ex-presidente. De acordo com Martinez, cerca de 14 horas foram captadas diretamente do ramal-tronco do escritório. Ele disse que não teve autorização para copiar esse material, sendo permitida por Moro apenas a consulta no local.
O advogado descreveu em um documento aquilo que encontrou:
"Cada ligação era separadamente identificada, sendo possível visualizar número de origem e destino da chamada, bem como a sua duração. Com um clique, era possível ouvir cada áudio interceptado".
"As listas contavam, ainda, com uma última coluna. Em tal coluna estavam inseridos comentários de análise realizada por agentes da Polícia Federal (PF). Destaca-se que nem todas as chamadas continham comentários inseridos, ao contrário, a maioria delas apresentava esse campo em branco", completou.
Martinez declarou que as ligações geradas por meio do ramal-tronco do escritório traziam ao lado comentários a respeito do conteúdo do áudio:
"Ou seja, com certeza tais chamadas telefônicas foram analisadas por agentes da Polícia Federal."
Entre os exemplos registrados em relatórios estavam conversas entre Zanin e o advogado Roberto Teixeira e também com Nilo Batista a respeito de estratégias jurídicas a serem adotadas.
O monitoramento do escritório estava vigente na época em que Lula foi levado em condução coercitiva para prestar depoimento por ordem de Moro, em 4 de março de 2016. A defesa de Lula usa dois comunicados da empresa de telefonia responsável pelas linhas como prova de que Moro foi informado de que se tratava de um escritório de advocacia.
O material da gravação de conversas entre advogados foi parar no STF porque, entre os diálogos, havia também conversas de Lula com a então presidente Dilma Rousseff. Depois do impeachment da petista, o material voltou para as mãos de Moro, na primeira instância da Justiça.
Apesar de admitir erro e pedir desculpas ao ministro Teori, Moro não destruiu os áudios das conversas e deu acesso do material a outras pessoas que faziam parte do processo.
O material com grampo considerado ilegal — que incluiria as horas de conversas entre os defensores do ex-presidente — só foi inutilizado em março de 2018, após decisão do juiz João Pedro Gebran Neto, relator da Lava-Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
O professor de direito penal da USP Pierpaolo Bottini avalia que, em casos assim, os juízes devem considerar que todas as provas produzidas em decorrência dessa quebra de sigilo sejam consideradas nulas. As demais, porém, podem seguir no processo.
Outro lado
O ministro Sergio Moro não quis comentar os questionamentos da defesa de Lula. Já a Superintendência da Polícia Federal no Paraná apresenta uma justificativa diferente da que foi usada pelo ex-juiz na ocasião em que Teori Zavascki pediu explicações sobre os grampos ao magistrado.
Moro disse que determinou uma escuta no escritório porque pensava se tratar de um telefone da empresa de palestras de Lula — e que foi levado ao erro pela Procuradoria. Já a PF diz que a interceptação foi feita porque um dos advogados era suspeito de crimes.
Segundo a PF, tal advogado figurava como investigado e não apenas como defensor constituído de um investigado, tornando-se réu em ação penal e sendo, na sequência, condenado por tal crime.
O sócio do escritório que defende o ex-presidente, Roberto Teixeira, compadre de Lula, foi realmente investigado, mas no caso do sítio de Atibaia. Na ocasião, Moro de fato determinou uma interceptação telefônica contra ele, mas o alvo foi seu aparelho celular, não o escritório. Teixeira foi condenado a dois anos de prisão por lavagem de dinheiro.
O advogado Cristiano Zanin, que defende Lula, afirma que a interceptação do telefone "para acompanhar em tempo real a estratégia de defesa do ex-presidente Lula, como ficou provado, foi um verdadeiro atentado contra a advocacia e o Estado de Direito no nosso país".
— A iniciativa revelou o desprezo de algumas autoridades com o direito de defesa e com a função constitucional do advogado na administração da Justiça. É lamentável que a despeito da gravidade da conduta os envolvidos ainda ocupem relevantes cargos públicos e não tenham sofrido qualquer consequência jurídica — disse.