Ao aumentar o grupo de profissionais que terá maior facilidade em obter porte de armas, o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu até mesmo aliados no Congresso. O decreto havia sido anunciado em um evento na terça-feira (7), no Palácio do Planalto, mas os detalhes do texto só foram conhecidos nesta quarta (8), após publicação no Diário Oficial da União. Frente à amplitude das mudanças, a reação no Legislativo foi imediata. Enquanto a oposição foi à Justiça para tentar barrar a iniciativa, parlamentares reclamaram da falta de negociação com o Congresso.
Entre as novas regras, está a flexibilização nas exigências para que advogados (desde que enquadrados como agentes públicos), políticos eleitos e caminhoneiros, entre outras categorias, possam andar armados. O porte seria ligado à pessoa e não mais ao equipamento. Em outro ponto, moradores da zona rural foram autorizados a utilizar armas em toda a extensão de sua propriedade.
Deputados que participam das negociações da reforma da Previdência se dividiram sobre o momento e a forma do anúncio. O temor é de que haja dispersão nas discussões sobre aposentadorias e pensões, foco prioritário do governo. Além disso, reclamações foram justificadas pela falta de participação do Congresso nas medidas, já que há um projeto que trata do assunto em tramitação na Câmara, aguardando votação.
O instrumento utilizado – decreto – entrou na mira da oposição, para quem o Executivo alterou pontos do Estatuto do Desarmamento, de 2003, sem consulta a deputados e senadores. Líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ) anunciou que foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedir a revogação:
— O governo está usando um decreto inconstitucional para atropelar a lei em vigor e criar um faroeste no Brasil.
A Rede também foi ao STF com intenção semelhante. Na Câmara, o PSOL protocolou um projeto de decreto legislativo que, se aprovado no plenário, tem o poder de derrubar o decreto presidencial. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), informou que a assessoria técnica irá analisar se há alguma irregularidade no decreto.
Ao lado do governo, o líder da bancada da bala, deputado Capitão Augusto (PR-SP), defendeu a medida e contestou que as novas regras sejam frouxas para o controle de armas no país. Diz que houve mal-entendido, embora admita que as alterações “facilitam um pouquinho” a aquisição de armas por quem enfrentava maior burocracia:
— Essas categorias estarão isentas de um dos critérios (provar efetiva necessidade). Ainda é preciso ter ficha limpa, testes psicológico e psicotécnico, avaliação de tiro.
Entre juristas, há entendimento de que é possível contestar as alterações na Justiça. O principal motivo seria a ampliação das pessoas que podem andar armadas, sem a alteração do Estatuto do Desarmamento. Como a ação não foi discutida por projeto de lei, mas realizada com decreto, poderia ser configurado um conflito de competência, o que feriria a Constituição.
— O decreto só pode ser produzido para dar fiel execução à lei. Não pode criar direitos e obrigações que não estejam definidos na lei produzida pelo parlamento. Há violação do princípio da legalidade — opina o professor de Direito Constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) Roberto Dias.
A visão é compartilhada pelo doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Escola de Direito do Brasil (EDB) João Paulo Martinelli. Para ele, o Estatuto do Desarmamento é uma lei federal com conteúdo de restrição do porte e da posse de arma:
— Somente uma outra lei federal para modificar.
A alteração na compreensão referente ao porte de armas ainda poderia modificar o entendimento da Justiça com relação a réus que respondem pelo crime de porte ilegal de armas. Professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Alexis Couto de Brito pondera que cada caso teria de ser avaliado individualmente:
— Se o decreto for considerado legal, há a possibilidade de o acusado não ser punido por esse crime. A regra retroage em benefício do réu por ordem constitucional.
Apesar de o tema ter sido incluído no decreto assinado por Bolsonaro, o governo aguarda a aprovação de um projeto do deputado Afonso Hamm (PP-RS) que permite ao morador da zona rural utilizar armas em toda a extensão de sua propriedade. Caso seja aprovado, o texto seguirá para o Senado. Integrantes da bancada da bala também defendem a votação da proposta do deputado Rogério Peninha (MDB-SC), que prevê flexibilização ainda maior do que a publicada pelo governo para o porte de armas. A expectativa é de que o plenário da Câmara inicie a discussão sobre o assunto no segundo semestre.