A assinatura do decreto que flexibiliza regras de posse e porte de arma para atiradores desportivos, caçadores e colecionadores, os CACs, amplia os debates sobre o assunto. Com base em informações preliminares repassadas pela Casa Civil — o decreto oficial ainda não foi publicado — representantes de instituições que atuam no meio listam prós e contras do documento assinado nesta terça-feira (7) pelo presidente Jair Bolsonaro.
Para o especialista em Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, as proposições surpreendem:
— A categoria de caçadores, atiradores e colecionadores, em tese, não tem tanta importância pública. Nos causa surpresa que o presidente esteja tão empenhado em fortalecer justamente essas atividades — argumenta.
Ele também questiona a forma como as alterações foram feitas:
— Por meio de decreto, sem nenhum debate.
Entre as regras anunciadas, Langeani critica a que amplia para 10 anos o prazo de renovação do porte de armas para a categoria. O decreto anterior estabelecia que o registro deveria ser renovado a cada três anos, nos casos em que o Exército é responsável pela expedição, e a cada cinco anos, nas situações sob responsabilidade da Polícia Federal.
— O aumento da validade significa que essas pessoas só precisarão comprovar aspectos importantes, como antecedentes criminais e capacidade psicológica, a cada 10 anos. Para renovar a carteira de motorista, algo com um potencial menor, é a metade desse tempo — diz, ressaltando que, conforme o Sou da Paz, existem cerca de 255 mil registros da categoria no país.
Por outro lado, o presidente do Thunder Clube de Tiro e instrutor credenciado pela Polícia Federal, Mauro Cauduro apoia o aumento do prazo e defende que o tempo de renovação poderia ser ainda maior.
— O registro não faz nada além de dar publicidade a um fato, como o documento que diz que determinado imóvel pertence a determinada pessoa — explica. — A partir do momento em que tu mudas o teu status, que não tem antecedentes, para um que cometeu delitos, aí sim tu deves perder esse direito. Fora isso, acho que o prazo podia ser maior.
O documento também trata da venda de armas, munições e acessórios no comércio, em estabelecimentos credenciados pelo Exército. Pela nova legislação, a posse dá direito ao uso da arma em toda a área do imóvel em que mora o titular do registro, inclusive nos casos em que o terreno está situado na zona rural. Antes, só era permitido no interior da residência ou domicílio, ou dependências destes. O termo "dependência destes", utilizado no estatuto do desarmamento causava incerteza sobre a permissão de usar a arma no quintal, por exemplo.
Fórum Brasileiro de Segurança Pública se manifesta
Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública afirma que recebe com "bastante preocupação" as mudanças. No texto, o órgão alega que as alterações "claramente" são uma "tentativa de driblar o Estatuto do Desarmamento", em vigor no país desde 2003.
Veja o documento do fórum na íntegra
"O Fórum Brasileiro de Segurança Pública vê com bastante preocupação a assinatura do decreto presidencial para facilitar o acesso a armas de fogo e munições a caçadores, atiradores e colecionadores (CAC). A medida é claramente uma tentativa de driblar o Estatuto do Desarmamento, que está em vigor no país desde 2003, e ignora estudos e evidências que demonstram a ineficiência de se armar civis para tentar coibir a violência em todos os níveis. Além de contrariar a legislação atual, o decreto carece de uma análise do Congresso Nacional, e parece ter sido feito sob medida para agradar alguns eleitores do atual presidente da República, que dá sinais claros de realmente acreditar que Segurança Pública começa dentro de casa. Nesse sentido, o decreto é nada mais que uma artimanha para desviar o foco do que realmente interessa, que é a implantação de uma política pública de segurança construída a partir da coleta de dados e pesquisas que possam de fato reduzir a violência. O Governo Federal deveria trabalhar para identificar as razões que levaram à queda dos homicídios em 2018, e assim documentá-las para serem replicadas, ao invés de insistir na aposta de receitas comprovadamente equivocadas para o setor."