Um projeto de lei, endossado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro e que tramita na Câmara dos Deputados, flexibiliza a aquisição de armas no Brasil. O PL 3722/2012 é assinado pelo deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), reeleito no último pleito. Ele modifica o Estatuto do Desarmamento, com menos exigências, burocracia e custo para aquisição de armas por quem Peninha chama de “cidadãos de bem”.
As mudanças passam pela redução da idade mínima, de 25 para 21 anos, registro sem data de expiração (atualmente é preciso renovar a cada cinco anos) e exclusão da comprovação da efetiva necessidade. A matéria, aprovada em comissão em 2015, pode ir a plenário ainda neste ano.
Coordenador da bancada da bala na Câmara, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), defenderá anistia para quem tem armas ilegais. Ficarão imunes de qualquer sanção os detentores de equipamentos que deixaram de renovar registros de posse ou porte. Ele também quer um novo recadastramento que aponte o número exato de armas no país.
— Precisamos saber quantas e quais estão nas mãos das pessoas. Hoje, há uma completa escuridão sobre isso – afirma Fraga.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 119.484 armas de fogo foram apreendidas em 2017. O estudo aponta que 11,5% delas chegaram a ser legais, mas foram perdidas, extraviadas ou roubadas. Conforme o anuário, foram registradas 63.880 mortes violentas intencionais no país, crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior – esse número não indica quantas são por arma de fogo.
Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, as mudanças irão elevar esses dados:
— O Brasil não consegue nem saber o que acontece com as armas em circulação e quer delegar à população a responsabilidade de se defender. Academias do mundo inteiro já provaram que quanto mais armas, mais mortes — sublinha Lima.
Ele sugere aumentar a eficiência dos mecanismos de rastreabilidade, reduzir as autorizações para armamento de grosso calibre, aprimorar investigações e aumentar punição:
— O resultado dessa mudança será o aumento das mortes por conflitos interpessoais, no trânsito, por exemplo.
Academias do mundo inteiro já provaram que quanto mais armas, mais mortes.
RENATO SÉRGIO DE LIMA
Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Morador de Porto Alegre, um homem de de 40 anos e com porte há seis meses, discorda. Argumenta que esteve em situações estressantes, mas nunca pensou em usar a pistola .380 que carrega.
— Já fiquei irritado no trânsito, no meu trabalho, mas nem passou pela cabeça sacar a arma. Quando a gente está armado, o comportamento muda, pois se um bandido perceber que você está com uma arma, vai querer te matar — comenta, pedindo para que sua identidade seja preservada.
Há pouco mais de um ano, recebeu ameaças relacionadas ao trabalho. A intimidação foi utilizada para embasar a comprovação da efetiva necessidade de portar arma. Foi mais um argumento, pois a sua profissão, como agente de fiscalização de um órgão federal, indicava que a solicitação provavelmente seria atendida.
— Defendo o direito de todo cidadão ter arma em casa. O porte deve ter um rigor maior, mas se a pessoa preencher todos os requisitos, fizer exame psicológico e de tiro, não vejo problema em andar armado. O risco está no uso indevido e irresponsável, e não no equipamento em si — comenta.
Presidente da ONG Brasil Sem Grades, Luiz Fernando Oderich é a favor de amenizar as exigências para a compra de armas, mas não para o porte, que, na sua opinião, deve ser restrito às forças policiais:
— Se o Estado não consegue defender a sociedade, o cidadão tem o direito de buscar autoproteção com arma em casa. O Estado fracassou, faliu.
Em parte, é o que defende o Movimento Armas pela Vida. Diego Gomes Ferreira, um dos coordenadores, defende que a revisão do estatuto é necessária para reduzir entraves e subjetividades:
Se o Estado não consegue defender a sociedade, o cidadão tem o direito de buscar autoproteção com arma em casa. O Estado fracassou, faliu.
LUIZ FERNANDO ODERICH
ONG Brasil sem Grades
— Trará pontos positivos em relação à criminalidade contra o patrimônio, mas o ponto principal é a garantia da liberdade individual, de as pessoas terem direito à autoproteção.
Felippe Angeli, do grupo Sou da Paz, entende que a facilitação ao acesso às armas terá efeito catastrófico. Rebate pontos em discussão, como o de derrubar a exigência da efetiva necessidade:
— Esse dispositivo foi criado para que a Polícia Federal possa analisar caso a caso, conhecer a realidade de cada cidadão que quer comprar arma. Se há problemas na execução da lei, se as escolhas dos delegados não são homogêneas, é uma questão administrativa. Vamos aprimorar.
Quanto à redução da idade mínima, diz estar acontecendo lobby da indústria de armas para esquentar o mercado. Sobre o porte rural, alerta que é preciso cautela diante de os conflitos agrários ficarem mais violentos.