Por uma herança cultural e formação pessoal, gosto de armas. Isso não me impede de considerá-las perigosas, quando ao alcance de qualquer um. É preciso treino, destreza e equilíbrio emocional para que alguém se candidate ao seu uso. É o que exige a lei, hoje.
O Estatuto do Desarmamento, de 2003, tornou muito difícil comprar armas no Brasil e ainda mais árduo conseguir o porte — que permite ao sujeito carregar o armamento nas ruas. Jair Bolsonaro se elegeu prometendo flexibilizar essas regras. Cumpriu. Em janeiro, reduziu as exigências para a posse de armas (aquelas que ficam na casa do sujeito), ampliando inclusive os prazos para renovação do registro.
Agora será ampliado em muito o número de categorias profissionais que terão facilitado o porte de revólveres e pistolas (ou seja, carregá-los na rua). Em decreto assinado na terça-feira (7) pelo presidente, são consideradas aptas a portar armamento 12 atividades, entre elas algumas que já eram beneficiadas — militares graduados, policiais, agentes penitenciários, agentes de trânsito, guardas municipais, funcionários de empresas de segurança e pessoas residentes em área rural.
A controvérsia está nos novos beneficiados pelo direito a porte. Entre eles, em tese, estarão políticos com mandato eleitoral, conselheiros tutelares, caminhoneiros, advogados do setor público (defensores) e profissionais da imprensa em cobertura policial. Bolsonaro, durante a campanha presidencial, justificou a necessidade de ampliar o número de profissões com direito a porte de arma pelo fato de algumas envolverem riscos ou serem alvo de represálias (no caso de seguranças ou agentes de trânsito, por exemplo).
Engana-se quem pensa que bastará o sujeito querer para sair armado. As exigências de treino e aptidão psicológica continuarão, e o candidato não pode estar respondendo a inquérito criminal. A grande diferença, ressalta um revendedor de armas com quem conversei, é que algumas categorias não estarão mais sujeitas ao poder discricionário do delegado: o de decidir negar e pronto. Quem for dessas profissões e preencher os requisitos legais poderá exigir o porte.
Grande parte da minha trajetória profissional foi como repórter de cobertura policial, uma das categorias beneficiadas pelo decreto de Bolsonaro. Nem por isso acho imprescindível que nos seja concedido porte. Creio ser necessário provar a necessidade, não basta supor o risco. Além disso, jornalista que anda armado em companhia de policiais pode ser confundido com um agente da lei ou com um criminoso — ou seja, o tiro pode sair literalmente pela culatra. Mas não descarto que, numa guerra, jornalistas andem armados, até para evitar um sequestro ou parar na frente de uma câmera com uma faca na garganta, como aconteceu com colegas subjugados pelos terroristas do Estado Islâmico. Cada caso é um caso.
E o que dizer do direito a porte para conselheiros tutelares e defensores públicos? É de pensar no risco de discussão com algum adolescente infrator ou com um cliente (no caso do advogado). É necessário dar a essas profissões o status de merecedoras do porte da arma, em princípio? São questões que certamente virarão discussão jurídica.