No mesmo dia em que o governo anunciou aumento na projeção de economia para R$ 1,236 trilhão em 10 anos com a reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro avisou que aceitaria redução nos gastos até o limite de R$ 800 bilhões. Horas depois, alertado por integrantes da equipe econômica, voltou atrás, afirmando que não há piso mínimo.
Apesar de defender o texto integral, o Palácio do Planalto admite que não conseguirá manter as mudanças pretendidas e traça estratégia para evitar tesouradas mais profundas.
Após torrente de críticas pela blindagem dos dados que embasaram a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma, a equipe econômica apresentou a caciques partidários um resumo do impacto nos gastos com Previdência de cada área que será atingida. O encontro foi realizado na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e trouxe uma surpresa.
A economia em 10 anos, prevista inicialmente em R$ 1,16 trilhão, aumentou para R$ 1,236 trilhão. De acordo com o secretário de Previdência do governo, Leonardo Rolim, a diferença ocorreu, principalmente, pela mudança de base de cálculo do governo, que passou a considerar o intervalo de 2020 a 2029, desconsiderado 2019, que terá interferência mínima em caso de aprovação pelo Congresso.
— Estávamos vendo 2019 como um ano cheio — comentou, destacando ainda a melhora nas projeções econômicas para 2020.
Os detalhes fornecidos foram considerados acanhados por parte dos deputados que acompanharam a apresentação. Maia chegou a mencionar que apenas "parte dos dados" haviam sido abertos. Em resposta, Rolim afirmou que mais informações poderão ser fornecidas por meio de pedidos específicos dos parlamentares ao Ministério da Economia.
Ao mesmo tempo em que os números eram fornecidos, Bolsonaro participava de um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto. Em clima informal, afirmou que o governo irá se empenhar na articulação pela aprovação da reforma, embora tenha destacado que a responsabilidade, no momento, é dos deputados.
O presidente ainda contrariou uma afirmação que vem sendo sustentada publicamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que a redução de despesas com a proposta não pode ser inferior a R$ 1 trilhão. Usando o exemplo da Argentina, disse que há espaço para que o alívio nas contas públicas seja menor.
— Com economia abaixo de R$ 1 trilhão vamos ficar como a Argentina. Paulo Guedes diz que o limite é R$ 800 bilhões — declarou.
Mais tarde, ao almoçar pela primeira vez no restaurante do Planalto, frequentado por servidores e militares, Bolsonaro voltou a mencionar o número menor citado anteriormente. Porém, modificou o discurso à tarde. Após participar de reunião no Ministério da Educação, disse que deseja que a proposta não sofra alterações profundas e que a “bola está com o parlamento”. Também evitou indicar piso de economia com a PEC.
Centrão prepara tropa de choque
Apesar de o governo admitir publicamente a retirada do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural do texto, outros trechos vistos com maus olhos por integrantes do centrão – bloco liderado por PP, PR, DEM, PRB e Solidariedade – devem ser defendidos por uma espécie de "tropa de choque" na comissão especial da Câmara, que nesta quinta-feira teve os integrantes definidos. O PSL, partido do presidente, terá cinco das 49 cadeiras.
A capitalização, um dos pontos mais criticados, inclusive por Maia, será vendida como poupança garantida a cada trabalhador.
— O que está muito claro é que a nova Previdência é a da poupança garantida, a capitalização — sustentou a deputada Bia Kicis (PSL-DF).
Uma proposta alternativa seria manter dois sistemas em paralelo: o atual, de repartição, com foco nos trabalhadores que ganham menos, e o de capitalização, atraindo quem recebe os maiores salários. Essa discussão deverá ocorrer na comissão especial.
Contrariedade com governo
O presidente da comissão especial que irá debater a reforma da Previdência não esconde a contrariedade com gestão de Jair Bolsonaro. Após conduzir a primeira reunião do colegiado, o deputado Marcelo Ramos (PR-AM) defendeu a manutenção de direitos sociais e afirmou que o governo não deveria “ficar refém” do discurso de combate a privilégios, mas ampliando a defesa do texto como uma saída para o equilíbrio fiscal.
— A minha antipatia pelo governo é menor do que a minha responsabilidade com a reforma. Não vou deixar milhões de brasileiros em necessidade. Todos sabem que não tenho simpatia por esse governo. Basta ver meu posicionamento – disse.
Exercendo o primeiro mandato, Ramos foi indicado para o posto pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ambos foram apresentados pelo deputado Orlando Silva (PCdoB), que é próximo a eles.
Ramos é integrante do centrão, o que reforça a influência do grupo na comissão especial, a exemplo do que ocorreu na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – o bloco irá ocupar ao menos 21 das 49 cadeiras do colegiado que irá definir o conteúdo do projeto de emenda à Constituição (PEC) da Previdência.
O centrão já avisou que fará exigências para apoiar a PEC: retirada das alterações no Benefício de Prestação Continuada (BPC), na aposentadoria rural, no abono salarial e da equiparação de regras com Estados e municípios, pontos que fazem parte do texto apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Como na próxima semana há o feriado do Dia do Trabalho, a primeira reunião da comissão está prevista para 7 de maio, quando os integrantes poderão apresentar as primeiras propostas de alterações. Os parlamentares terão 10 sessões para a ação. Ao todo, estão previstos 40 encontros.
O relator da reforma na comissão especial será Samuel Moreira (PSDB-SP). O deputado afirma que irá buscar a consolidação de uma proposta que garanta a economia necessária para o governo, mas garanta “a correção de injustiças” com a camada mais pobre da população. O tucano evitou definir prazo para apresentar seu relatório.
— Não faremos nada que não tenha razão de ser do ponto de vista fiscal e social. Temos de simular cada detalhe para ver os custos das alterações. Precisamos ter responsabilidade fiscal e social — disse Moreira.
Inicialmente definida com 34 cadeiras, a imposição dos partidos por mais espaço elevou o número de integrantes para 49. Entre eles, estão seis deputados gaúchos: Daniel Trzeciak (PSDB), Darcisio Perondi (MDB), Giovani Cherini (PR), Henrique Fontana (PT), Jerônimo Goergen (PP) e Marcelo Moraes (PTB).
Para o governo, será possível votar a reforma em plenário ainda no primeiro semestre, mesmo prazo defendido por Maia.