Ao fazer um balanço dos primeiros cem dias à frente do Estado, o governador Eduardo Leite cita o lançamento do plano de segurança pública e do programa de concessões e a solidez de sua base de sustentação na Assembleia como suas principais realizações.
Nada disso é comparável ao barulho que vem por aí nos próximos meses. Em sigilo, Leite e equipe trabalham em propostas polêmicas, como extinção de benefícios aos servidores, cobrança de alíquota previdenciária suplementar sobre os salários, reestruturação de carreiras, alterações nas leis de licenciamento ambiental e mudanças no sistema tributário e no repasse do duodécimo aos demais poderes.
— As privatizações e concessões mostram que o Rio Grande do Sul rompe paradigmas, deixa de ser um Estado fechado e passa a se abrir ao investimento privado – resume.
Minucioso na escolha das palavras, o governador evita detalhar o teor dos projetos, mas garante ter em mãos um pacote consistente, capaz de revigorar as bases da combalida situação fiscal do Estado. Sua principal aposta segue sendo a adesão ao regime de recuperação fiscal da União. A assinatura do acordo, afirma, abrirá espaço para a contratação de financiamentos e o consequente pagamento em dia do funcionalismo.
Leite promete manter regulares os repasses da saúde, admite que é quase impossível concluir a venda das estatais em 2019 e, embora reconheça ações do governo anterior, alfineta a gestão de José Ivo Sartori (MDB) ao dizer que a Secretaria de Tesouro Nacional não levou a sério o plano anterior para assinatura do acordo da dívida. Contudo, ciente da necessidade de contar com o aval da Assembleia para executar o planejamento, Leite divide com os deputados a responsabilidade de governar:
— A solução para o Rio Grande do Sul está muito mais no outro lado da rua. É lá que serão tomadas as decisões que poderão fazer o Estado equilibrado e com condição de atrair investimentos.
Leite conversou com GaúchaZH por quase uma hora na tarde de terça-feira (9). Lamentou o escasso tempo livre, mas disse não abrir mão dos exercícios físicos toda manhã e da leitura à noite – divide-se atualmente entre a compilação de perfis biográficos Titãs da História, de Simon Montefiore, e o imediatista Reforma da Previdência, de Paulo Tafner.
Uma das suas promessas de campanha foi o pagamento em dia dos servidores no primeiro ano. Será possível cumprir?
Temos convicção disso. Vamos ter a privatização encaminhada e, sendo aprovadas as reformas estruturantes nas carreiras e previdência, teremos um plano consistente que nos permitirá ter a adesão ao regime de recuperação fiscal da Secretaria de Tesouro Nacional (STN). Assim, vamos buscar financiamentos que nos ajudem a honrar os compromissos, superar os passivos e colocar os salários em dia até o final do ano.
Uma equipe da STN esteve no Estado dias atrás. Em que pé estão as negociações? Eles já aceitam acordo sem a privatização do Banrisul?
Temos boas conversas e estamos confiantes que chegaremos a bom termo. Naturalmente, eles abordam o Banrisul. Mas confiamos que, demonstrando comprometimento e reestruturação fiscal, com privatização das outras empresas e reformas na estrutura de carreiras dos servidores e previdência, a STN compreenderá que o nosso plano é consistente. O plano do governo passado não entrava nesses temas, não foi levado a sério.
É possível fechar a adesão neste ano ainda?
Confio bastante nisso.
Acho inconsequente (fazer o plebiscito). Veja o que aconteceu na Inglaterra (com o Brexit). Colocar essa decisão para a população, significa colocar na mão de todos e na responsabilidade de ninguém.
A privatização das estatais também?
A privatização não se consolida neste ano. Uma vez que a questão do plebiscito seja superada, vamos apresentar os projetos que buscam autorização. Depois, começa a estruturação das vendas. Mas não precisa disso para assinar o acordo. Hoje, a STN vê a exigência de plebiscito e aborta qualquer possibilidade. Com a retirada do plebiscito e a liberação da Assembleia para venda, temos condição de assinatura.
Alguns monumentos amanheceram com mordaça no Estado, em crítica ao fim do plebiscito. Como o senhor vê essas manifestações?
São compreensíveis, por parte daqueles que serão prejudicados por conta dos empregos. Vamos buscar soluções para essas famílias, negociadas com os futuros adquirentes das empresas ou com as condições que o Estado tenha para dar algum suporte. Acho inconsequente (fazer o plebiscito). Veja o que aconteceu na Inglaterra (com o Brexit). Colocar essa decisão para a população, significa colocar na mão de todos e na responsabilidade de ninguém. Nós, que somos eleitos, temos responsabilidade sobre as nossas ações e devemos exercê-la.
O senhor obteve a manutenção das alíquotas elevadas de ICMS por dois anos. Como suportar o resto do mandato sem essa receita?
Propus por dois anos porque o atual sistema tributário não merece continuar. Pretendo fazer uma reforma, ver o que deve ser incentivado, o que está sobrecarregado. É uma análise estrutural que viabilize a arrecadação e o desenvolvimento. Temos um grupo trabalhando em uma agenda para as receitas futuras e até na mudança de perfil econômico. Se o quadro estiver bem resolvido, podemos enviar este ano (à Assembleia).
Nenhum governador recente montou uma base tão grande como a sua, com 40 deputados. Que mudanças estruturais podemos esperar de um governo com tanta força política?
Começa com as privatizações e passa pela reestruturação.
Se o Estado tem problema de equilíbrio fiscal e a maior parte da arrecadação é consumida por folha de pagamento, é inevitável discutir carreira dos servidores e previdência. Não vamos resolver o Estado economizando combustível e material de escritório.
No que o senhor vai mexer? Que reforma será proposta?
Temos um déficit previdenciário de R$ 12 bilhões. Vamos ter de discutir como estancar o crescimento desse custo, que cresce R$ 1 bilhão ao ano. Significa identificar o que provoca esse incremento: são vantagens e benefícios que se incorporam ao longo das carreiras e terão de ser revistos.
Revistos significa extintos?
Sim. Vai ter de extinguir isso e ver outra forma de constituir atratividade às carreiras e estímulos ao servidores. Mas essa conta tem de parar em pé. Temos de conseguir alguma receita que reduza o déficit.
Há irredutibilidade dos salários, então ninguém perderá, mas deixará de ganhar lá na frente. Teremos estancado o crescimento, mas ainda há R$ 12 bilhões (do déficit). Aí entra a discussão de uma contribuição extraordinária dos servidores.
Ela paga o déficit?
Não. Ela irá gerar no máximo 10% desse total. O servidor reclamará, mas o povo continuará pagando 90% dessa conta. Vamos chamar os servidores para arcar com 10%, ou seja, dos R$ 12 bilhões, de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão.
Como será essa cobrança? Uma alíquota de 8% sobre os salários? Por quanto tempo?
É o que se estima nesse momento, mas não significa que os 8% serão lineares. Pode ser em escalas por faixas salariais. Por lealdade com os sindicatos, quero apresentar primeiro a eles qualquer decisão.
Quando o senhor pretende apresentar?
Temos estudos bem consistentes e expectativa de fazer a discussão em maio com os sindicatos e encaminhar rapidamente.