A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (26), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que obriga o governo a executar todo o Orçamento de investimentos e emendas de bancadas estaduais. A aprovação, em ampla maioria, representa uma derrota ao governo de Jair Bolsonaro. O agora texto segue para o Senado.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se comprometeu a votar a proposta "o mais rápido possível".
— Se pudesse todo o Orçamento do Brasil serem emendas impositivas para fazer as obras importantes de norte a sul deste país, teríamos um país com menos desigualdade —afirmou.
A PEC torna o Orçamento mais engessado, pois classifica como obrigatório o pagamento de despesas que hoje podem ser adiadas, principalmente investimentos.
Apesar de articulação de líderes da Câmara ter o objetivo de mandar um recado para o Palácio do Planalto, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que participou desde o começo da tratativa, negou que os deputados tenham imposto uma derrota ao governo, com quem Maia travou um embate nos últimos dias.
— Essa PEC reafirma a independência da Câmara. É um gesto importante do governo querer sinalizar pelo fortalecimento do Parlamento. Acho que é um momento histórico — ressaltou.
Orçamento
Segundo técnicos da Câmara, se a proposta for promulgada, de um Orçamento total de R$ 1,4 trilhão, o Executivo teria margem de manobra em apenas R$ 45 bilhões das despesas. Os cálculos consideram números relativos a 2019.
Atualmente, cerca de 90% do Orçamento já é composto de gastos obrigatórios, como Previdência e salários. O restante — R$ 137 bilhões — é despesa discricionária, que pode ser cortada. Mas, pela PEC, os programas destinados a prover bens e serviços para a população, como a área de infraestrutura e educação, passam a ser de execução obrigatória.
Assim, segundo técnicos de Orçamento da Câmara, sobrariam apenas a parte de Orçamento para custeio da máquina pública — energia elétrica, terceirizados, etc. Isso soma, em valores de 2019, R$ 45 bilhões.
Essa foi a segunda derrota do governo na Câmara. Em fevereiro, os deputados derrubaram um decreto presidencial que mudava regras da Lei de Acesso a Informação (LAI).
Articulações
A PEC do Orçamento impositivo estava parada na Câmara desde 2015. O texto não estava nem previsto para a pauta do plenário da Casa até a manhã de terça-feira. A manobra pegou até mesmo o relator da proposta, deputado Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO), de surpresa.
A votação é um recado da Câmara ao Planalto em meio à crise de articulação entre o Executivo e o Legislativo. Todos os partidos orientaram pela aprovação da PEC, inclusive o PSL, partido do presidente.
A unanimidade virou até piada no plenário da Câmara, ao conseguir unir no painel de orientação partidos de todos os lados do espectro político para impor uma derrota ao governo.
A equipe econômica defendeu a parlamentares mais tempo para que o governo pudesse discutir o tema antes da votação na Câmara.
Para evitar que a votação fosse caracterizada como uma derrota acachapante e após que perderia por ampla maioria, o próprio PSL de Jair Bolsonaro optou por orientar os seus deputados a votarem a favor da PEC.
O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), votou a favor da PEC. Já a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), foi contra.
— Mas isso vem ao encontro do que o Jair Bolsonaro vem falando, menos Brasília e mais Brasil — afirmou Vitor Hugo. — Então eu vejo como uma vitória.
Bolsonaro e o filho deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) assinaram, em 2015, a lista para que a PEC do Orçamento impositivo pudesse ser protocolada na Câmara pelo autor deputado Hélio Leite (DEM-PA).
Não é comum que propostas de emenda constitucional sejam votadas na mesma sessão. Com um acordo entre os líderes e Maia, porém, o texto foi votado em dois turnos em menos de uma hora.
A PEC
A PEC ressuscitada torna obrigatório o pagamento de despesas para políticas públicas estratégicas e prioritárias definidas pelo plano plurianual (PPA) e Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Esses dois projetos — PPA e LDO — são aprovados pelo Congresso. Assim, os parlamentares teriam maior controle dos gastos federais.
Além disso, o texto obriga o governo a executar as emendas de bancadas estaduais — dispositivos para que os representantes de cada Estado apresentem mudanças no Orçamento para destinar recursos a obras e ações para suas bases eleitorais.
Essas emendas são calculadas em aproximadamente R$ 170 milhões por Estado. Atualmente, as emendas individuais (apresentadas por cada deputado) já são impositivas. A PEC também torna obrigatória a liberação das emendas de comissões do Congresso.
"Verifica-se que, no processo orçamentário, vem se estabelecendo como regra o contingenciamento total pelo Executivo das dotações orçamentárias indicadas por bancadas estatuais e por comissões permanentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal", escreveu, em 2015, o deputado Hélio Leite (DEM-PA), autor da PEC.
Por ser uma alteração na Constituição, é necessário o apoio de 308 deputados em votação no plenário da Câmara. A PEC precisará ser analisada em dois turnos para seguir ao Senado.