Disposto a reforçar o pedido de apoio aos deputados estaduais, o governador Eduardo Leite (PSDB) usará a tribuna da Assembleia Legislativa, nesta terça-feira (5), data da primeira sessão ordinária do ano, para falar da situação do Estado e anunciar seus planos. A prioridade imediata do Palácio Piratini será a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dispensa a exigência de plebiscito para a venda ou federalização de CEEE, Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás.
Considerada vital para a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal, a PEC será protocolada no mesmo dia, segundo o líder do governo no Legislativo, Frederico Antunes (PP). A expectativa é de que o texto seja votado até o início de abril.
— Vamos protocolar e aguardar os prazos regimentais. A PEC tem de passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que ainda terá sua nova composição definida. Existe um rito próprio, que precisa ser respeitado — diz Antunes.
Nos bastidores, interlocutores de Leite trabalham para garantir maioria na CCJ, o que poderia agilizar os trâmites. Assim que conseguir o aval da comissão, o governo pode tentar fechar acordo com líderes de bancadas para levar a proposição diretamente ao plenário, queimando etapas (do contrário, o texto terá de passar pelo crivo de outras comissões).
Desde que assumiu o cargo, Leite tem reiterado a preocupação em usar os primeiros seis meses de gestão para levar adiante pautas que considera fundamentais para o ajuste fiscal – das privatizações às alterações nas carreiras e nos benefícios dos servidores. Como a Constituição estadual dá ao governador a prerrogativa de se apresentar ao Parlamento no início do ano legislativo, ele decidiu usar o espaço para fazer mais um apelo aos parlamentares, com quem vem dialogando desde dezembro.
Até esta segunda-feira (4), conforme o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian (PP), o governador já havia recebido 23 deputados em seu gabinete para conversar. Os encontros individuais prosseguirão até que todos os 55 parlamentares sejam ouvidos.
— A ideia é entender quais são as agendas de cada um e tentar encontrar formas de compatibilizar isso com a agenda que o governador irá propor para o Estado. É realmente sincero da parte dele — afirma Vivian.
A abertura ao diálogo é o foco da estratégia governista para formar uma base sólida, e a PEC das privatizações será o primeiro grande teste da nova gestão. Em dezembro, Leite já havia conquistado vitória importante ao obter aval para manter as alíquotas elevadas de ICMS por mais dois anos, mas, naquela ocasião, a formação da Assembleia era outra. De lá para cá, os deputados eleitos em outubro de 2018 tomaram posse e as condições financeiras do Estado pioraram.
— O governador vai expor a realidade e anunciar que irá protocolar o primeiro projeto de natureza estruturante, ligado diretamente ao propósito de assinar a adesão ao regime de recuperação fiscal. A disposição do Estado de se desfazer dessas três companhias já é muito conhecida na Assembleia. Além disso, tem o apoio da população — sustenta Vivian.
A avaliação do governo, segundo o chefe da Casa Civil, é de que o eleitorado já se decidiu a favor da venda de CEEE, CRM e Sulgás, ao levar para o segundo turno dois candidatos que defenderam a medida abertamente, ao longo da campanha.
Ao longo de sua administração, o ex-governador José Ivo Sartori (MDB) também tentou obter autorização para vender as empresas, e o resultado foi negativo. Sartori apresentou uma PEC semelhante à de Leite, dispensando a obrigatoriedade de plebiscito. A resistência foi tanta que a proposta sequer foi votada. Em resposta, Sartori decidiu recuar e pedir aval da Assembleia para fazer a consulta junto da eleição de 2018. O pedido também não foi adiante.
Agora, Vivian argumenta que agora a conjuntura é outra:
— No nosso entendimento, o plebiscito já foi realizado, nas eleições. Por isso nós entendemos que a questão pode ser decidida pelos deputados, que na democracia sintetizam a vontade do povo gaúcho.
Para aprovar a PEC, o governo precisará de pelo menos 33 dos 55 votos. Ninguém, no Piratini, se arrisca a projetar o resultado, mas o clima é de confiança.
Do lado da oposição, partidos como PT e PSOL elogiam a disposição de Leite ao diálogo, mas criticam a nova gestão por repetir os passos de Sartori. Para o deputado estadual Edegar Pretto (PT), "está provado, na história recente do Estado, que vender patrimônio não resolve nada".
— Saúdo a posição do governador pelo diálogo, mas é importante que ele apresente algo novo. Sartori tentou fazer o mesmo com essas estatais e não conseguiu. Agora vem o novo governo na mesma toada. É a reedição da velha política. A situação do Rio Grande do Sul não é fácil, todos sabemos, mas não é de hoje. Essa alternativa que está sendo apontada não vai resolver nada. Lá atrás, Antônio Britto (governador de 1995 a 1999) vendeu patrimônio e, de desde então, a coisa só piorou — afirma Pretto.
Na avaliação da deputada estadual Luciana Genro (PSOL), a saída para a crise passa por ações que alavanquem a arrecadação do Estado, incluindo a revisão de benefícios fiscais e a briga pela recomposição das perdas da Lei Kandir. A norma foi criada em 1996 e, desde então, os governos estaduais são impedidos de cobrar imposto sobre determinados tipos de exportação. Por aqui, as perdas acumuladas são estimadas em R$ 50 bilhões.
— Eu fui até o Piratini conversar com Leite e disse que estou totalmente aberta a dialogar e a apoiar causas como a da Lei Kandir, mas deixei claro que, em certas pautas, não há nenhuma condição de revermos posição. Uma delas é essa das privatizações — ressalta Luciana.