Desde que assumiu a Secretaria de Planejamento do Estado, Leany Lemos se tornou responsável por mapear o quadro de pessoal e liderar mudanças na área – nem que, para isso, volte a ser chamada de Margaret Thatcher, a Dama de Ferro do Reino Unido. O apelido foi dado por servidores do Distrito Federal, quando ela atuou na gestão de Rodrigo Rollemberg.
– Eu era muito dura, por isso me chamavam assim. Mas sempre tratei todo mundo com educação. Gosto muito de gente e estou pronta a dialogar – diz.
Disposto a frear o crescimento das despesas com pessoal e modernizar a área, o governo Eduardo Leite estuda mudanças em todas as carreiras do funcionalismo – até agora, foram listadas 17, mas o número definitivo ainda está sendo contabilizado. Além de propor a revisão de benefícios e a uniformização de regras, a nova gestão planeja reformular a estrutura de cargos comissionados (CCs) e de funções gratificadas (FGs) do Estado.
Coordenado pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, o trabalho está em fase inicial. O primeiro passo, segundo a titular da pasta, Leany Lemos, é concluir o exame detalhado do quadro funcional e reunir toda a legislação relacionada ao tema, para só então definir as alterações. Confira a entrevista.
Qual é o balanço da senhora para os primeiros dias à frente da secretaria?
São dias de muito trabalho, mas ainda é um período de aprendizagem e de diagnóstico. O governador havia me convidado para assumir o Planejamento. Depois, me pediu para cuidar, também, da Gestão Administrativa, que precisa passar por um processo de modernização muito forte. Precisa de um choque de gestão.
Por quê?
A área de gestão de pessoas do Estado está muito pouco estruturada. Gerir pessoas é mais do que simplesmente pagar a folha. Há uma série de carreiras, mas não há padronização. O fato é que essa parte da gestão ficou em plano secundário ao longo dos anos, e isso precisa mudar.
Que tipo de discrepâncias a senhora detectou?
Existe um grande número de normativas que tratam de remuneração de pessoal, de carreira, de benefícios, de cargos comissionados, de funções gratificadas. É um emaranhado de normas, algumas das décadas de 1950, 60, 70 e que ainda estão vigentes. O que mais me impressionou é que não há uma articulação entre as normas.
Pode dar um exemplo?
O sistema de cargos comissionados (CCs) do Estado, por exemplo, é extremamente complexo e pouco transparente. Ao longo do tempo, foram sendo feitas normas criando gatilhos uma sobre a outra. Então, uma função de R$ 1,6 mil pode se transformar em R$ 7 mil. Até eu entender isso... brinquei com o pessoal aqui que precisaria de um doutorado. Vamos ter de propor uma nova norma, padronizando tudo, dizendo assim: um chefe de divisão ganha tanto e ponto. Se for no Planejamento ou na Casa Civil, o valor é o mesmo.
Hoje, cada secretaria paga um valor diferente?
Varia enormemente de órgão para órgão.
Mas é fácil mudar isso?
Não. O primeiro passo é entender esse emaranhado. Além disso, temos um outro problema, que é o limite financeiro. Não podemos ter aumento de despesas.
Então, um dos objetivos é reformular toda a estrutura de cargos comissionados?
Vamos reformular toda a estrutura de cargos comissionados (CCs) e de funções gratificadas para que haja maior clareza e padronização, mas não é só isso. A reformulação significa, eventualmente, até mesmo aumentar algumas remunerações de baixo valor que hoje dificultam o recrutamento de bons quadros. Isso é gestão de pessoas. Se queremos atrair gente boa para o setor público, temos de fazer isso.
A senhora foi considerada peça-chave no ajuste fiscal do governo Rodrigo Rollemberg, no Distrito Federal. O que fez lá que pretende replicar aqui?
A situação do Distrito Federal era diferente. O principal problema não era estrutural, como aqui, mas a dívida de curto prazo, sem registro e sem caixa. A primeira medida foi controlar o custeio, o que já estamos fazendo no Rio Grande do Sul. Também congelamos a folha de pagamento e criamos a Previdência complementar, o que já foi feito aqui, e um fundo garantidor.
Esse fundo pode ser adotado aqui também?
Sim, vamos estudar como fazer aqui também. Criar um fundo garantidor significa gerar um patrimônio para a Previdência para que possa se tornar menos deficitária ao longo do tempo.
De onde tirar o dinheiro?
Da venda de patrimônio, como imóveis, por exemplo, e de concessões, aportando uma parte da renda nisso.
E o congelamento de salários dos servidores?
A maior despesa aqui é a folha. Todos os impostos pagos no Rio Grande do Sul são canalizados para cobrir a folha de pessoal. São R$ 30 bilhões. Vamos aumentar essa despesa? Essa é a pergunta que a sociedade precisa se fazer. Nós entendemos que não dá mais. É preciso congelar os gastos com pessoal.
Está no horizonte revisar a gratificação de difícil acesso dos professores?
Está no nosso horizonte olhar para todos os benefícios, de todas as carreiras. O professor que de fato tem dificuldades para chegar ao local de trabalho precisa disso. Pode ser necessário até aumentar o valor. Agora, aquele que está na área urbana, será que precisa? Quem vai dizer isso é a sociedade. Hoje, como o professor ganha pouco, isso acaba virando salário indireto. Então, quem sabe transformamos isso em gratificação por desempenho?
Vamos fazer uma mudança sistêmica em todas as carreiras do Estado. Onde houver oportunidade de melhoria, para que tenhamos uma estrutura mais racional, vamos mexer.
LEANY LEMOS
Secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão do RS
A senhora é favorável à adoção de metas por desempenho?
Sou a favor de um sistema de avaliação para que a gestão pública melhore, mas temos de pensar em um cardápio, porque a política de metas não funciona para todos os setores. Sobral, no Ceará, virou referência em educação. Lá, foi adotado o incentivo financeiro. Dois anos depois, todos os professores estavam ganhando. Aí, deixou de ser desempenho por meta, e o instrumento perdeu a eficácia. Nosso objetivo é ter essas políticas em algumas áreas, mas com desenhos específicos. Isso será definido nos próximos meses.
Já existe um esboço do que será feito em relação ao plano de carreira do magistério?
Não, ainda estamos estudando.
Que outras carreiras poderão passar por mudanças?
Fizemos um primeiro levantamento e, até agora, identificamos 17 carreiras no Estado. Quero desdobrar cada uma delas para ver como estão estruturadas, porque isso não existia até agora. Não tinha um levantamento atualizado dessas carreiras. Tenho certeza de que temos carreiras com mais benefícios do que a dos professores, por exemplo, que muitas vezes fazem o papel de bode expiatório.
A ideia é propor alterações em todas as carreiras?
Vamos fazer uma mudança sistêmica em todas as carreiras do Estado. Onde houver oportunidade de melhoria, para que tenhamos uma estrutura mais racional, vamos mexer.
Como pretendem superar a resistência dos servidores?
Com muito diálogo. Sei que não é fácil tirar benefícios, porque quem recebe nunca acha que é benefício. Acha que é direito. Mas quem tem esses direitos na sociedade brasileira atual? São privilegiados. Somos, porque também sou servidora e me enquadro nisso. Tenho estabilidade que as pessoas em geral não têm. Minha renda é mais alta. Mesmo na crise, o meu salário é pago. Mostrar para os servidores que isso é privilégio é difícil, mas vamos dialogar.
O governo Yeda Crusius (PSDB) tentou fazer mudanças do tipo e não conseguiu. Por que agora seria possível?
O mundo da Yeda era um, o do Eduardo é outro. O Estado já não está pagando os servidores. Estamos com 15 folhas acumuladas nesse ano. Se a gente não fizer alguma coisa, ano que vem serão 16, no outro, serão 18. E aí o que acontece com o servidor? A reforma é do interesse do servidor. É do interesse do funcionário que a gente olhe todas as estruturas e promova essa racionalização, para que seja justo. O servidor é a base do Estado, mas não podemos mais manter as distorções.
Qual será a contribuição dos outros poderes?
O governador tem falado muito da necessidade de um pacto pelo Rio Grande do Sul, porque o dinheiro sai do mesmo lugar, o bolso do contribuinte. É importante que todos façam sua parte. Não adianta dizer que vamos mexer no plano de carreira dos professores e não mexer nos outros.
Inclusive nas carreiras de quem ganha altos salários?
Sim. A gente tem de mexer na estrutura como um todo.