Recém-chegado ao Estado, o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, tem se dedicado em tempo integral ao novo desafio profissional. De voz pausada e tranquila, o economista é o “homem do cofre”. Na última quinta-feira, recebeu ZH para uma conversa na sala anexa ao seu gabinete, com vista para o Guaíba, em Porto Alegre. Durante duas horas, o carioca de 46 anos falou sobre os primeiros dias à frente da pasta, as propostas em estudo, o novo plano de recuperação fiscal e os problemas mais urgentes.
Como está a adaptação?
Gosto de viajar e de conhecer outras culturas. Não tenho dificuldades para me adaptar. Já tinha amigos aqui, que me receberam bem. Estou contente. Porto Alegre tem uma cena artística forte, e gosto de arte. Quando sobrar um tempinho, quero conhecer melhor a cidade. É claro que, no momento, estou praticamente só trabalhando. E estou empolgado com o desafio. Na secretaria, percebi que existe consciência para mudanças.
Qual é o balanço dos primeiros dias na Fazenda?
Os primeiros dias têm sido intensos. É uma conjugação de fatores: conexão com as equipes, assegurar a continuidade da secretaria, contatos com a imprensa, agendas com o governador. Está dentro do que esperava. Há não propriamente uma ansiedade, mas interesse em ter todos os diagnósticos e desenhar os planos que a gente quer fazer.
A situação que encontrou é a que esperava?
Os principais dilemas a gente já tinha mapeado. O problema da dívida, os passivos de longo prazo, a insuficiência de salários, os atrasos com fornecedores, está tudo mais ou menos em linha com o que tínhamos identificado. Agora, o diagnóstico total da situação de caixa e o que vamos poder fazer vai demandar mais tempo.
Ao assumir, o senhor pediu “serenidade e temperança” aos servidores da Fazenda. Por quê? Prevê mais dificuldades?
Acredito nesses valores, que muitas vezes são erroneamente confundidos com falta de firmeza. Temos grandes desafios, e os problemas não estão aí por acaso. São mecanismos que a sociedade criou e que foram gerando esses déficits e passivos. Reverter essa tendência significa mexer nos contratos sociais. E mexer com despesas de pessoal não é simplesmente dar canetaço, nem poderia ser. Envolve uma gama de corporações e de interesses.
Reverter essa tendência significa mexer nos contratos sociais. E mexer com despesas de pessoal não é simplesmente dar canetaço, nem poderia ser. Envolve uma gama de corporações e de interesses
MARCO AURELIO CARDOSO
Secretário estadual da Fazenda
É preciso ter firmeza e muito claro o objetivo final, que é promover o maior bem público possível. Vem muita briga pela frente?
Vem, mas briga no sentido de que temos de levar para diferentes esferas questões pragmáticas. Não se trata de ideologia. A sociedade gaúcha sabe que a situação é grave, e isso vai ser debatido. Todos os poderes serão envolvidos, além da opinião pública e da imprensa. Faz parte haver choques e visões diferentes, e a gente vai passar por isso. Estou certo de que este é o momento inadiável, sob pena de continuarmos na situação difícil que vivemos nos últimos anos. Nada vai cair do céu.
Há um esboço das alterações envolvendo os servidores?
Não. Mobilizamos diferentes times para isso. Temos um senso de urgência, porque sabemos que é importante que isso seja colocado muito cedo em discussão, afinal, é um problema central, então não faria sentido adiar o debate. Estamos trabalhando intensamente, tanto na parte dos servidores ativos quanto na da Previdência.
Distintos partidos passaram pelo Piratini e tentaram sanar a crise, sem êxito. O que se pode esperar de diferente agora?
O que a gente propõe é elencar série de medidas que podem fazer com que o Rio Grande do Sul opere, em um horizonte de tempo ainda a definir, em situação sustentável, pagando suas obrigações. Temos, também, muita determinação de não mascarar, não tapar o sol com a peneira, e, principalmente, não tomar medidas que causem impacto no futuro, apenas por uma alegria temporária.
Como está a retomada das negociações do regime de recuperação fiscal?
Estivemos no Tesouro Nacional no fim de 2018. Fizemos um balanço sobre como tinha transcorrido a negociação desde 2017. Ao longo do segundo semestre de 2018, o Estado vinha ajustando cenários. A última versão foi apresentada em agosto, e, em setembro, as conversas paralisaram. Neste momento, estamos redesenhando o plano.
Temos, também, muita determinação de não mascarar, não tapar o sol com a peneira, e, principalmente, não tomar medidas que causem impacto no futuro, apenas por uma alegria temporária
MARCO AURELIO CARDOSO
Secretário estadual da Fazenda
Por que é necessário fazer esse redesenho?
O plano tem de conversar com o ajuste. E é uma nova situação, porque o elenco de medidas agora será outro. Qualquer proposta que a gente faça na linha de pessoal, de Previdência e de custeio afeta a projeção de custos ao longo do tempo. Da mesma forma, a revisão das receitas. Temos feito várias reuniões, e isso continuará nas próximas semanas.
Depois disso, volta a Brasília?
Sim. O intuito é, utilizando a metodologia do regime de recuperação, definir o quadro realista que o governo se propõe a trabalhar, para então sentar de novo com o Tesouro Nacional. Há itens sobre os quais eles pediram esclarecimentos e outros que a gente vai colocar. Por isso, digo que é outro plano, principalmente na área de despesas. O governo anterior já estava no final, não havia espaço político nem programático para propor determinadas medidas, ao contrário do que temos hoje.
Pode citar exemplos de medidas que estarão no novo plano?
Estou me referindo, por exemplo, a essas medidas de revisão de despesas de pessoal e de Previdência. Vamos ter de trazê-las para dentro do plano, porque serão esforço de ajuste que o Estado fará.
No caso da Previdência, Tarso Genro (PT) criou um fundo de capitalização e José Ivo Sartori (MDB) elevou a alíquota de contribuição e implantou a Previdência complementar. O que mais é possível fazer?
A revisão de regras dos estatutos de servidores e da Previdência.
De que forma?
É cedo para dizer. Não temos nada definido.
Vão mexer no plano de carreira do magistério?
Na revisão de despesas de pessoal, isso está relacionado.
A União exigiu a venda do Banrisul para fechar acordo. O que entrará no lugar?
A gente vai rodar o plano de novo, com receitas e despesas. Isso vai gerar resultado nominal ao longo dos exercícios, de superávits ou déficits. Esse é o indicador de ajuste. Dependendo da soma de resultados nominais negativos, você tem de colocar ativos para cobrir isso durante os exercícios. Esse número, em diferentes cenários que a gestão anterior apresentou, oscilou muito. Chegou a R$ 8 bilhões.
O objetivo é propor um plano que preserve o Banrisul?
Sim, isso terá de ser compensado de outras formas. Como disse, ajuste fiscal não é exercício da Fazenda. São escolhas que a sociedade faz e que têm seus impactos. Não dá é para a gente manter tudo. Não privatizar nada, não fazer ajuste nenhum, não mexer nos estatutos dos servidores.
E qual será a contribuição dos outros poderes?
O governador e todos os poderes têm várias contribuições a dar em termos de controle de despesas. E o regime de recuperação envolve todos os poderes.
Não dá é para a gente manter tudo. Não privatizar nada, não fazer ajuste nenhum, não mexer nos estatutos dos servidores
MARCO AURELIO CARDOSO
Secretário estadual da Fazenda
Judiciário e Legislativo?
Sim, está na lei do regime. Todas as medidas que forem definidas se aplicarão ao governo como um todo, não só ao Executivo.
Inclusive a proibição de novas contratações?
Sim, exceto nas vacâncias. O elenco de medidas é para todos.
Como estão as discussões sobre a mudança na forma de pagamento dos servidores?
Estamos tentando desenhar o fluxo de caixa do ano. Muitos meses à frente, as incertezas se tornam maiores. Talvez a gente trabalhe para particionar esse anúncio. Estou tentando ter segurança para anunciar o calendário de pagamento, nem que seja do primeiro trimestre.
A partir da próxima folha?
A gente está querendo inaugurar esse procedimento a partir do salário-base de janeiro. É uma demanda legítima dos servidores.
O governo já sabe como resolver a dívida na saúde?
Em linha com o decreto do governador, os restos a pagar estão passando por auditoria. A partir daí, vamos, de fato, conhecer o tamanho e a natureza do passivo e propor um plano de pagamento. Acredito que teremos isso até a primeira quinzena de fevereiro.