A Polícia Federal (PF) prendeu nesta sexta-feira (9) os executivos Joesley Batista, Demilton Castro e Ricardo Saud, do Grupo J&F — controlador, entre outras empresas, da JBS —, e o vice-governador de Minas Gerais, Antônio Andrade (MDB), na Operação Capitu, um desdobramento da Lava-Jato. A ação mira em um suposto esquema que atuava na Câmara dos Deputados e no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A operação tem o apoio da Receita Federal. Foram cumpridos 63 mandados judiciais de busca e apreensão e 19 de prisão temporária. Todos foram expedidos pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Participaram da operação 310 agentes de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paraíba e Distrito Federal.
O inquérito foi instaurado em maio deste ano com base na delação premiada do corretor Lúcio Bolonha Funaro sobre supostos pagamentos de propina a servidores públicos e agentes políticos que atuavam direta ou indiretamente no Mapa em 2014 e 2015. A PF apurou a atuação de um esquema na Câmara dos Deputados e no Mapa integrado por empresários.
Segundo o delator, a JBS teria repassado R$ 7 milhões para o grupo político do MDB da Câmara. Desse valor, Andrade, então ministro da Agricultura, teria recebido R$ 3 milhões da propina paga pela empresa de Josley e R$ 1,5 milhão teriam sido enviados ao ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ).
O grupo dependia de normatizações e licenciamentos do Mapa e teria passado a pagar propina a funcionários do alto escalão do ministério em troca de atos de ofício que levariam à eliminação de concorrência e entraves à atividade econômica, possibilitando um monopólio de mercado. Geralmente, as propinas eram negociadas com um deputado federal e entregues aos políticos e servidores do Mapa por Funaro.
Entre os atos de ofício praticados pelos servidores do Mapa, destacam-se a expedição de atos normativos, determinando a regulamentação da exportação de despojos, a proibição do uso da ivermectina (droga contra parasitas) de longa duração e a federalização das inspeções de frigoríficos. O grupo empresarial teria pago R$ 2 milhões pela regulamentação da exportação de despojos e R$ 5 milhões pela proibição do uso da ivermectina de longa duração.
Segundo a PF, um deputado federal da Paraíba à época dos fatos teria recebido R$ 50 mil do grupo como contrapartida em decorrência da tentativa de promover a federalização das inspeções sanitárias de frigoríficos por meio de uma emenda. Teria havido também, por parte do grupo empresarial, o financiamento ilegal de campanha de um deputado federal para a presidência da Câmara dos Deputados em troca de atendimento dos interesses corporativos do grupo no Mapa. O valor solicitado para o financiamento seria de R$ 30 milhões.
Desse total, o deputado teria destinado R$ 15 milhões a um deputado federal mineiro de seu partido. A bancada mineira também teria recebido parte do montante após a lavagem do dinheiro. Esses valores teriam sido depositados pelo grupo em contas bancárias de seis escritórios de advocacia que teriam repassado os valores lavados aos beneficiários finais, conforme determinação do deputado federal mineiro e de seu operador, também deputado federal.
Esses escritórios de advocacia teriam emitido notas fiscais frias, visto nunca ter havido qualquer prestação de serviço ao grupo empresarial. Uma das maiores redes de supermercado do país também teria integrado a engrenagem de lavagem de dinheiro oriundo do esquema, repassando aos destinatários finais os valores ilícitos em dinheiro vivo e em contribuições "oficiais" de campanha.
O total de doações "oficiais" feitas por empresas vinculadas e administradas por um empresário do ramo de supermercados nas eleições de 2014 totalizou quase R$ 8,5 milhões.
Durante as apurações, segundo a PF, "houve clara comprovação de que empresários e funcionários do grupo investigado — inicialmente atuando em colaboração premiada com a PF — teriam praticado atos de obstrução de justiça, prejudicando a instrução criminal, com o objetivo de desviar a PF da linha de apuração adequada ao correto esclarecimento dos fatos". Daí veio o nome da operação — Capitu, a personagem dissimulada da obra-prima de Machado de Assis Dom Casmurro.
Os envolvidos deverão ser indiciados pelos crimes de constituição e participação em organização criminosa, obstrução de justiça, corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, dentre outros. Caso haja condenação, as penas máximas poderão variar entre três e 120 anos de reclusão, proporcionalmente à participação de cada investigado.
Operação à parte, Joesley e Saud, em outra frente, estão com a colaboração premiada ameaçada após a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciar a rescisão do acordo, firmado em 2017. Mas são formalmente delatores porque o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não julgou se validará ou não a rescisão.