A erupção de uma onda de violência política assusta as autoridades da República e coloca o país em encruzilhada de desfechos imprevisíveis, a apenas seis meses das eleições. Os sintomas de degradação democrática foram vastos nos últimos dias: houve pancadaria entre militantes adversários, tiros contra a comitiva de um ex-presidente, assassinato de uma vereadora, ameaças a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e agressões a jornalistas.
O governo federal reagiu à escalada agressiva condenando os ataques e prometendo investigação, mas os próprios candidatos galvanizam a tensão com declarações provocativas.
Ao desembarcar em São José dos Pinhais (PR), nesta quarta-feira (28), o deputado e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ) não mencionou os tiros disparados contra a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas afirmou que o petista "quis transformar o Brasil num galinheiro".
— Agora está colhendo os ovos — justificou.
Bolsonaro se referia à chuvarada de ovos que atingiu o palanque de Lula em Chapecó (SC), no fim de semana. Irritado com os arremessos, Lula chamou os algozes de "canalhas", disse que eles deveriam receber um "corretivo" da PM e que se os jovens da cidade "tivessem o mínimo de dignidade estariam beijando meus pés". Ao ter dois ônibus atingidos por disparos no Paraná, o ex-presidente se disse perseguido por "fascistas".
Também postulante ao Planalto, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que Lula estava "colhendo o que plantou". A senadora e candidata à reeleição Ana Amélia Lemos (PP) havia trilhado caminho semelhante no final de semana, ao dizer em discurso a correligionários que "atirar ovo, levantar o relho, é para mostrar onde estão os gaúchos". Assustados com a repercussão negativa às declarações, ambos recuaram.
Ana Amélia disse que jamais endossou a violência e Alckmin mudou o discurso. Nas redes sociais, o tucano escreveu que "é papel de homens públicos pregar a paz e a união entre os brasileiros. O país está cansado de divisão e da convocação ao conflito".
— Estamos vivendo uma situação limite por causa do crescimento da intolerância. Os atores políticos não conhecem a legitimidade um do outro, o que acaba estimulando a violência — diagnostica o coordenador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, José Álvaro Moisés.
No subsolo da consciência ética brasileira, é a força que decide tudo.
ROBERTO ROMANO
Professor de Ética e Filosofia da Unicamp
Os recentes atos de hostilidade mútua surpreendem pelo grau de fúria, mas desde o ano passado grupos antagônicos vêm agindo com virulência. Algo que começou com os chamados "esculachos", quando ativistas abordavam e xingavam políticos em locais públicos, logo descambou para agressões. Em agosto de 2017, Bolsonaro e o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), foram atingidos por ovos em agosto. Na mesma época, militantes petistas e anti-PT entraram em confronto em Salvador, durante passagem de Lula pela cidade. Pelo menos cinco pessoas foram detidas pela polícia depois que tiros foram disparados para o alto.
— No subsolo da consciência ética brasileira, é a força que decide tudo. Infelizmente, não há liderança capaz de assumir autoridade e impor um mínimo de consenso conciliatório — avalia o professor de Ética e Filosofia da Unicamp, Roberto Romano.
Para o filósofo, a violência está na gênese da formação do Brasil, passando da colônia ao império, da proclamação da República aos dias atuais. Romano salienta que os próprios poderes constituídos demonstram fragilidade, sobretudo quando Executivo e Legislativo vivem cercados por denúncias criminais e ministros do STF trocam insultos em plenário.
— O próprio STF tem demonstrado falta de autoridade. Então, não é de se espantar que alguém cujo único recurso seja a bala esteja ameaçando um integrante da mais alta Corte. Nossa sociedade se acostumou a resolver os problemas na vingança ou no linchamento. O resultado é que estamos a bordo de um trem cujo maquinista sumiu e os vagões brigam entre si. Está na hora de botar a razão para funcionar e ver o que podemos salvar do processo democrático, senão o desastre se anuncia de maneira terrível — conclui Romano.
Outros atos de violência
27 de março de 2018
Relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin disse que a família dele tem recebido ameaças e que está preocupado com isso, a ponto de ter pedido providências à presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, e à Polícia Federal.
Fachin não especificou de quem ou de onde vêm as ameaças, nem as relacionou a nenhum fato concreto. Em Brasília, deputados federais cobraram investigação. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que a PF tem equipes à disposição do STF para investigar as ameaças "inaceitáveis" a Fachin.
14 de março de 2018
A vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e o motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros no Estácio, região central do Rio, quando retornavam, de carro, de evento do qual a parlamentar participou na Lapa. Uma assessora de Marielle também estava no veículo e sofreu ferimentos leves derivados dos estilhaços de bala. O caso segue sendo investigado.
19 de agosto de 2017
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), foi alvo de protestos e quase atingido por uma ovada perto da Galeria do Rock, no Centro de São Paulo. Alckmin caminhou pela Avenida São João aos gritos de "Fora Temer", "golpista", "taca ovo nele" e também de elogios de apoiadores do PSDB.
Ele parou para tomar café e ao sair, quando estava tirando selfies com um homem, houve um pequeno tumulto e manifestantes atiraram um ovo, que se quebra no chão. Logo após, ele é encaminhado para o carro e deixa o Centro. O governador foi alvo de uma ovada em abril de 2016 durante o discurso em Jundiaí, no interior paulista, e também não chegou a ser atingido. Na ocasião, manifestantes protestavam contra fraudes na máfia da merenda.
17 de agosto de 2017
Simpatizantes de Lula e dos movimentos Brasil Livre e Vem Pra Rua brigaram durante visita do petista a Salvador (BA). Cerca de 30 ativistas anti-PT seguravam um boneco gigante do ex-presidente vestido de presidiário, conhecido como Pixuleco. Militantes petistas avançaram sobre o grupo e destruíram o boneco.
17 de agosto de 2017
O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) foi atingido por uma ovada em uma cafeteria de Ribeirão Preto (SP). O pré-candidato à Presidência foi surpreendido pela estudante Alana Gabrielle de Oliveira, 22 anos, que o chamou de homofóbico e esmagou-lhe um ovo no peito. A filiada ao PC do B disse não ter premeditado o ataque.
7 de agosto de 2017
O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), é atingido por ovada em visita a Salvador (BA). Depois de se limpar, Doria repudiou o ataque e classificou de "intolerância do PT e dos partidos de esquerda".