Faltam pouco mais de seis meses para a eleição, mas os atos de violência no território da política, registrados nos últimos dias, acendem um sinal de alerta para o que poderá ocorrer na campanha. A troca de insultos, que já virou rotina nos embates eleitorais, foi substituída pela agressão física, legitimada por líderes que deveriam fazer o papel de bombeiros mas jogam combustível na fogueira dos ânimos acirrados, usando frases do tipo "quem planta colhe" ou minimizando o emprego de ovos, pedras e relhos para afugentar adversários. Os tiros disparados contra ônibus da caravana do ex-presidente Lula no Paraná se inserem nesse contexto de substituição do debate pela força bruta, da intimidação pela ameaça e do desrespeito às instituições.
Porque ninguém se feriu, seria exagero comparar os tiros à execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) no Rio de Janeiro, mas há pontos de conexão nesses dois episódios e nas ameaças ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, e a sua família. São três casos de afronta à lei que têm como pano de fundo o agravamento das tensões na política e que exigem uma resposta firme das autoridades.
Há um sério risco de que não se consiga elucidar o que ocorreu de fato no Paraná. Porque o lugar onde os ônibus foram atingidos é ermo, fica numa estrada com vegetação dos dois lados, as únicas testemunhas são as que estavam do lado de dentro dos ônibus e que confundiram o barulho com o som familiar das pedradas que se tornaram rotineiras desde que a caravana começou, no dia 19, por Bagé. Os ônibus só pararam mais adiante, porque um deles teve dois pneus furados por "miguelitos".
Não é o momento para as teorias conspiratórias, como as que começaram a brotar nas redes sociais — hoje mais antissociais do que nunca — desde que a notícia dos tiros veio a público. O papel de esclarecer o atentado é da polícia, com a ajuda da perícia. A palavra "atentado" pode parecer exagerada, mas é a que cabe quando se trata de um episódio em que "quem atirou assumiu o risco de matar", como disse o delegado Fabiano Oliveira, de Laranjeiras do Sul (PR).
O relato da jornalista Eleonora de Lucena, que estava em um dos ônibus atingidos fornece detalhes que complementam lacunas deixadas pelo delegado. Escreveu a jornalista: "O barulho seco no lado direito do ônibus provocou silêncio. Pedras novamente, pensei. Pedras, alguém falou. O ruído foi diferente. Tínhamos recém partido de Quedas do Iguaçu, onde Lula fizera ato. Dez minutos de viagem e veio o impacto. Era local de vegetação fechada, mato alto na borda da estrada. O comboio continuou. Minutos depois, carros da PM passaram pela caravana. Não pararam nem acompanharam o comboio. No trajeto, manifestações de apoio de moradores. Crianças ensaiavam corrida para acompanhar os ônibus. A 1 km do destino, Laranjeiras do Sul, o motorista reduz a velocidade. Para. Descemos. Pneu furado, alguém disse. Saltamos. Miguelitos (ganchos de metal) nos dois pneus da direita. Logo identificamos as marcas dos projéteis (...)".
Uma das poucas certezas do delegado até aqui é que os tiros foram disparados por mais de uma pessoa, porque atingiram os dois lados dos ônibus.
É possível que os autores tenham sido aloprados agindo por conta e convicções próprias. Isso se saberá se a investigação chegar a algum lugar. O que não se pode é tratar como parte da normalidade democrática o uso de arma de fogo como instrumento de protesto contra este ou aquele grupo político. Vale o mesmo para relhos, facões, foices ou quaisquer instrumentos capazes de ferir ou matar.
Os dirigentes petistas exageram quando dizem que Lula não pode ser preso porque o atentado do Paraná mostraria que o Estado brasileiro não tem condições de protegê-lo. Bobagem. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Lula foi condenado em primeira e segunda instâncias. Se começa a cumprir a pena agora ou depois do trânsito em julgado de todos os recursos previstos na legislação é uma decisão que o Supremo Tribunal Federal tomará no dia 4 de abril. Garantir a segurança contra tiros disparados de um matagal à beira de uma rodovia "o Estado brasileiro" não consegue para Lula nem para ninguém. Garantir a segurança dentro do presídio em que o ex-presidente venha a cumprir pena, se assim decidir o STF, é tão simples quanto obrigatório, porque nas cadeias, diferentemente das ruas, o Estado tem mecanismos para assegurar a integridade dos presos, ainda mais de um com o peso político de Lula.