A semana começou com uma surpresa vinda de Brasília: um graduado oficial do Exército falando em dar um basta à corrupção no país. O general Antonio Hamilton Mourão fez um apelo polêmico ao Judiciário para que puna os políticos envolvidos em tramoias, mas deixou no ar um recado que soou a muitos como advertência:
- Se ninguém se acertar, terá de haver algum tipo de intervenção para colocar ordem na casa.
A declaração de Mourão, gaúcho que chefiou o Comando Militar do Sul (CMS) e hoje dirige o setor de Finanças do Exército, ocorreu numa reunião da Loja Maçônica Grande Oriente, em Brasília.
Generais da ativa estão orientados a evitar a política, mas Mourão gosta do assunto. Ele já fez críticas abertas a Dilma Rousseff quando ela era presidente.
O recado de Mourão, visto por muitos como ameaça, reflete uma posição das Forças Armadas? Há clima para intervenção militar, mencionada como possibilidade por ele? GaúchaZH conversou esta semana com sete oficiais de alta patente do Exército, incluindo generais e coronéis. ZH não menciona seus nomes porque, enquanto na ativa, são proibidos de falar em política. Eles abordaram esses e outros assuntos, como conflitos ideológicos, eleições e bolivarianismo. Confira aqui:
Sem tomada do poder
Todos afirmaram que não há esse desejo nos oficiais graduados, apesar de muitos civis pressionarem por "ordem" e "um basta à corrupção". Há faixas nas cidades clamando por intervenção militar e muitos subalternos se comovem com esses apelos. Mas a cúpula das Forças Armadas é avessa à tomada do poder, por vários motivos. Alguns:
1) Intervenção se sabe como começa, não como termina: em 1964 os militares entraram com um plano de "limpar" o país do comunismo e da corrupção e de convocar eleições presidenciais em no máximo dois anos. O pleito não saiu e os brasileiros só voltaram a escolher presidente 25 anos depois. A intervenção virou ditadura.
2) São pouco mais de 400 mil militares das três forças, incluindo oficiais e praças. Como mudariam o pensamento e o comportamento de 200 milhões de brasileiros? São muitos Brasis. E o cenário internacional não é mais de Guerra Fria como nos Anos 1960.
3) Risco de contaminação: assim como o traficante tenta corromper militares na sua área de domínio, empresários poderiam tentar subornar militares para ganhar licitações. O Exército quer evitar isso, que já ocorreu, em casos pontuais.
Quando o Exército agiria
1) Quando brasileiros hostilizarem outros brasileiros, num prenúncio de guerra civil.
2) Em casos de grave ameaça à ordem estabelecida. Apesar do clamor por ação militar contra a corrupção, a maioria dos oficiais acredita que a Justiça tem punido os envolvidos exemplarmente. Não é missão do Exército intervir.
Planos de ação
O general Mourão ressaltou, aos maçons, que o Exército tem planos para vários cenários políticos nacionais. Não exagerou. Militares trabalham o tempo todo com planejamento de conjunturas, para não serem surpreendidos. Há projetos para ações cotidianas (guarnecer fronteiras, impedir narcotráfico), para ações pontuais de emergência (ocupação militar de áreas conflagradas pelo tráfico, por exemplo) e ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO ). Essa última é quando militares recebem poder de polícia e podem determinar "congelamento de área" em local conflagrado por distúrbios, por exemplo).
Quando há distúrbios muito graves, com risco de guerra civil, a GLO é substituída por medidas muito mais duras. Exemplos:
Estado de Defesa: implica restrição aos direitos de reunião, sigilo de correspondência e comunicação telegráfica e telefônica. Permite ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos( somente na hipótese de calamidade pública) e prisão por crime contra o Estado, determinada diretamente pelas Forças Armadas. Esta prisão não pode ser superior a 10 dias e deve ser imediatamente comunicada a juiz competente, que a relaxará no caso de ilegalidade, sendo ainda vedada a incomunicabilidade do preso.
Estado de Sítio: é usado em casos de grave comoção ou guerra civil. Suspende direitos individuais e determina obrigação de permanência em um determinado local. Pode autorizar detenção em edifícios não destinados a esse fim. Suspende a inviolabilidade da correspondência. Suspende a liberdade de reunião. Dá ao Estado direito de busca e apreensão em domicílio e intervenção em serviços públicos e empresas particulares, além de requisição de bens individuais pelo Estado. Foi usado em 1922, durante revolta militar no país.
Nada disso está no horizonte dos militares, asseguraram os oficiais ouvidos por ZH.
Monitoramento permanente
O que os militares têm monitorado no país
Focos de tensão: recentemente ocorreram no Paraná (com a Operação Lava-Jato) e Brasília (distúrbios em protestos). As Forças Armadas mantêm vigilância e recebem informes das polícias. A preocupação é evitar conflitos entre grupos ideológicos rivais. Já no Rio os militares emprestam apoio na guerra contra o tráfico.
Locais de segurança estratégica: usinas, refinarias, aeroportos, portos.
- Quem falar em ocupar qualquer ponto nevrálgico desses pode saber que será procurado pelas Forças Armadas - ressalta um general.
Simpatizantes do terrorismo, ostensivos ou ocultos: as Forças Armadas recebem informes periódicos sobre bolsões de ideologias radicais. Um dos casos emblemáticos foi a prisão, pela Polícia Federal, de 16 suspeitos de planejar atos terroristas às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio (os suspeitos falavam até em envenenar água servida à população). Oito foram condenados e os demais respondem a processo. As Forças Armadas monitoram isso, que definem como "ameaça à segurança nacional".
Direitismo, sem ativismo
Os militares ouvidos por ZH admitem, reservadamente, que predominam nas Forças Armadas posições ideológicas liberais ou conservadoras.
- Pode até ter gente de esquerda ou comunistas, mas não estão em postos de comando - define um oficial.
Os oficiais ressaltam que, antes de 1964, as Forças Armadas estavam divididas. Existiam muitos simpatizantes do trabalhismo (sobretudo nas camadas médias do Exército e da FAB) e até marxistas e admiradores do modelo cubano (como o almirante Cândido Aragão e o marinheiro Cabo Anselmo). Hoje, a ordem é não ser ativista partidário. E os que simpatizam com alguma ideologia, via de regra, estão à direita. Isso porque a maioria dos militares tem formação conservadora, em moral e costumes.
Sem "exército de Stédile" ou bolivarianismo
Há repúdio, no alto comando, a experiências como a da Venezuela. Consideram o bolivarianismo um regime autoritário militar, um oposto do autoritarismo direitista que vigorou no Brasil por 21 anos.
- E autoritarismo nenhum é desejável, mesmo quando há alguma crise - pondera um general.
Um dos temores que poderia levar a uma ação mais firme das Forças Armadas é a convocação ao conflito político. Um oficial graduado lembra que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2015, cogitou aceitar ajuda do "exército de Stédile nas ruas" para defender o governo Dilma, numa referência aos militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
- Só para lembrar: Exército só existe um e não é o do Stédile - resume o oficial.
Bolsonaro ou um general
O presidenciável Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército, foi colega de turma de muitos que hoje ocupam postos de comando das Forças Armadas. É visto como um extremista por uns, outros simpatizam com ele. Há também resistência ao fato de ele ser apenas capitão, situado no meio da cadeia hierárquica.
- Candidaturas militares são vistas com certa reserva no comando. A maioria prefere bastidor. Um militar representaria apenas parte do pensamento dos brasileiros e receberia oposição de grande parte. Para que desperdiçar o capital de admiração conquistado pelas Forças Armadas nas últimas décadas? - questiona um general, ao lembrar que o Exército está entre as instituições mais admiradas pelos brasileiros.
Já nas camadas médias do oficialato e nos postos subalternos (sargentos, soldados), uma possível candidatura militar tem despertado simpatias. Sobretudo porque é vista como algo capaz de melhorar o quadro degradante da segurança pública.