Existem duas razões para o general Antônio Hamilton Mourão ter pregado, de forma ostensiva, algum tipo de intervenção militar no país, caso "não se solucione o problema político".
A primeira razão é profunda, ideológica, conforme afirmaram a Zero Hora um general e um coronel com proeminência no Exército (e que, por motivos óbvios, preferem manter a opinião no anonimato). Eles ressaltam que militares costumam se orgulhar de dois mantras: anticorrupção e antibaderna.
De corrupção nem é preciso falar muito, em termos de Brasil dos últimos tempos. É a pedra fundamental do noticiário. Já a baderna não tem ocorrido, mas há sempre o temor de conflito entre grupos políticos antagônicos, especialmente em ano pré-eleitoral.
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Mourão, maçom graduado, escolheu seus pares da maçonaria para um recado: "Se ninguém se acertar, terá de haver algum tipo de intervenção, para colocar ordem na casa".
Ele tem respaldo? A realidade é que, apesar de respeitado na caserna, é visto como um fardado que fala mais do que o recomendado. Sempre teve posições políticas escancaradas, inclusive ao tolerar homenagens ao comandante que teria sido responsável por torturas sofridas por Dilma Rousseff — e a homenagem foi quando ela ainda era presidente. O ato custou a ele o Comando Militar do Sul. Deixou de comandar tropas para cuidar das finanças do Exército.
Um general no lugar de Bolsonaro?
Mourão tem pretensões políticas? Ele nega, mas poderia, já que se aposenta em março. E teria apoios. Especialmente no alto oficialato das Forças Armadas, que torce o nariz para a candidatura presidencial de Jair Bolsonaro, visto por muitos como um capitão sem brilho intelectual e com propensão a extremismos. E extremismo é tudo que a maioria dos fardados não quer. Mas Bolsonaro está na mídia há décadas, Mourão teria de lutar para ser conhecido fora da caserna. E o capitão está bem cotado nas pesquisas.
É possível que Mourão, ao discursar de forma política, pretenda chefiar as Forças Armadas. O atual comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, está com doença incapacitante, de origem neurológica. Até de cadeira de rodas tem circulado. Pode deixar o cargo em breve. Mourão encontraria no páreo pelo comando fardado outro general preparadíssimo, Sérgio Etchegoyen, hoje titular do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Até por ser conselheiro do impopular presidente Michel Temer (PMDB), talvez Etchegoyen não chegue ao cargo máximo do Exército – e sequer aspire a isso.
Há também uma razão conjuntural para o discurso de Mourão. As Forças Armadas estão na penúria. O orçamento militar sofreu nos últimos cinco anos redução de 44,5%. De 2012 para cá, os chamados recursos "discricionários" foram cortados de R$ 17,5 bilhões para R$ 9,7 bilhões anuais. São as verbas afora salários, alimentação e saúde.
Só este ano houve contingenciamento de recursos de 40% (assim como em outras áreas do governo federal). O Exército tem sido forçado, em muitos casos, a reduzir expediente e antecipar a baixa dos recrutas. É nesse cenário que Mourão fez seu discurso, que agrada sobretudo à plateia interna, militares insatisfeitos com sua situação precária.
Confusão em 1964 era bem maior do que a atual
Essa agitação toda, com fardados discursando, tem seu precedente mais significativo na derrubada do governo João Goulart pelos militares, em 1964. Mourão, por ser jovem, não viveu aquele período histórico. Alguma semelhança com aqueles tempos? A verdade é que a confusão política era bem maior. Grupos de extrema-esquerda e extrema-direita disputavam o protagonismo nas ruas e, também, nos quartéis. Greves pipocavam por toda parte, inclusive entre sargentos e marinheiros das Forças Armadas. Invasões de terra eram uma constante, na pressão por reforma agrária. Marchas de esquerdistas e direitistas ocorriam cotidianamente. O governo era tachado de corrupto, e os militares, de gorilas. Principais diferenças: o presidente atual tem apoio no Congresso, algo que fez falta a Goulart.
Além disso, a esquerda foi alijada do poder no momento. Dilma foi afastada e Lula, apesar de candidato, enfrentará obstáculos legais para se eleger. Quem os militares derrubariam, que não o histórico adversário esquerdista? Um corrupto, se eleito (ainda mais em tempos de Lava-Jato enfraquecida)? Talvez tentem a tutela, se o político escolhido for fraco. Mas o mais provável, na real, é que o discurso de Mourão seja jogo de cena. Balizador do que os fardados não querem, mais do que daquilo que querem.