Na última terça-feira (22), a cinco dias da eleição, Maria do Rosário fez uma caminhada pelo centro de Porto Alegre com a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann. Após percorrerem 600 metros pela Rua dos Andradas, Rosário começou um discurso. A primeira caixa de som, amparada no colo de um militante, enguiçou. A segunda, apoiada num carrinho de feira, tinha pouca potência e o som sumia oito passos atrás da candidata. Rosário falou por oito minutos, mas pouca gente ouviu.
— Essa tem sido uma campanha diferente, silenciosa — comentou na ocasião o ex-prefeito José Fortunati, apoiador onipresente de Rosário.
Às 18h15min deste domingo (27), as urnas revelaram o tamanho do silêncio. Com 89% dos votos apurados, a petista já não tinha mais condições de superar Sebastião Melo (MDB). Rosário teve a pior performance de um candidato de esquerda no segundo turno em Porto Alegre: 38,47% ante 61,53% do adversário. Até então, a votação mais baixa havia sido os 41,05% da própria Rosário em 2008, quando o eleito foi José Fogaça (MDB).
A apuração ainda não tinha acabado quando Rosário comentou o resultado. Num pronunciamento de nove minutos, ela agradeceu aos eleitores, lamentou a abstenção de 34,83% e conclamou as forças de esquerda a uma reflexão sobre a eleição em todo o país.
— O resultado no Brasil deve ser lido pelas forças populares e democráticas como um desafio a ser compreendido — afirmou, sugerindo a realização de um seminário.
Ao lado de dirigentes do PSOL e do PT, Rosário contou ter telefonado para cumprimentar Melo pela vitória, se colocou à disposição para ajudar como deputada federal, mas conclamou as bancadas de esquerda a fazerem oposição ao governo reeleito.
— Entregamos a esses vereadores a liderança da oposição. Jamais deixarei de estar à disposição da nossa gente, mas a classe popular deve se organizar para cobrar o que foi prometido nessa eleição — afirmou.
Em frente ao comitê, o ambiente pouco lembrava o dia do primeiro turno, quando uma multidão comemorava na rua a passagem à segunda etapa da eleição. Neste domingo, não havia telão, o trânsito foi liberado ao tráfego de veículos durante boa parte da tarde e os apoiadores presentes tinham a resignação estampada no rosto. Durante o discurso de lideranças petistas após o fim da apuração, um grupo gritava “fora Melo”.
A caminhada de cinco dias antes pela Rua da Praia encapsulou os percalços enfrentados pelo PT durante a eleição. Batizado de Mutirão da Vitória e concebido para ser uma demonstração de força, o ato reuniu pouco mais de 50 pessoas, revelando-se um retrato do escasso entusiasmo da militância.
Quando o grupo formou uma roda para ouvir a candidata no meio da rua, já não havia gente suficiente sequer para atrapalhar o trânsito na esquina da Andradas com a Rua Vigário José Inácio, com carros e lotações passando ao lado das pessoas sem riscos de acidente.
Pouco antes, o percurso teve de ser interrompido por cerca de 15 minutos porque a organização da campanha não havia avisado com antecedência as autoridades. Um cordão de isolamento foi feito às pressas por soldados da Brigada Militar, mantendo 25 metros de distância entre os petistas e uma caminhada de apoio a Melo que descia em maior número a Borges de Medeiros.
Os problemas, todavia, começaram no ano passado. Embora muito respeitada no partido, Rosário jamais foi uma candidata de consenso. Pesava contra ela a elevada rejeição por conta de sua dedicação à defesa dos direitos humanos, estigmatizada pelos adversários. A direção estadual do PT preferia Edegar Pretto, que concorreu a governador em 2022, mas apenas a deputada Sofia Cavedon lançou seu nome, desistindo ainda em novembro.
Nem mesmo a inédita união de seis partidos de esquerda amenizou as críticas internas, sobretudo depois que a vaga de vice foi entregue à Tamyres Filgueira (PSOL), uma servidora pública e sindicalista. Na opinião de expoentes do partido, perdeu-se a chance de fazer a chapa caminhar para o centro.
Para suavizar a imagem da candidatura, Rosário passou a ser chamada de Maria, foi apresentada como católica praticante e incorporou a palavra fé ao slogan “união e reconstrução”, copiado do governo federal. A trajetória da menina do Interior que se formou professora e ingressou na política para defender as mulheres e crianças foi repetida à exaustão, gerando reclamações de aliados que queriam uma campanha mais contundente.
Na propaganda, o entendimento era de que o desgaste causado pela enchente de maio seria suficiente para fragilizar Melo. No início, o PT evitou ataques mais incisivos, inclusive sobre denúncias de corrupção na prefeitura, por receio de tirar o prefeito do segundo turno.
Havia temor de repetir a campanha de 2014, quando o então governador Tarso Genro centrou fogo na principal adversária, Ana Amélia Lemos (PP), que ficou de fora no segundo turno e abriu espaço para a vitória de José Ivo Sartori (MDB), contra quem o PT não tinha munição. Desta vez, o partido queria evitar uma disputa com Juliana Brizola (PDT), uma candidata que trafegava pela centro-esquerda e tirava votos de Rosário já no primeiro turno.
Abertas as urnas, ficou claro que a campanha havia subestimado a força de Melo. Por 1.945 votos (0,28 ponto percentual) o emedebista não liquidou a disputa no primeiro turno. Antecipando-se às críticas sobre a enchente e se apropriando de apelidos pejorativos como “Melo chinelão”, ele venceu nas 10 zonas eleitorais da cidade, incluindo as regiões mais afetadas pelos alagamentos.
No segundo turno, o PT mudou a estratégia e partiu para o enfrentamento, ora com contundência ora com ironia, repetindo temas de apelo popular, como a Ferrari apreendida com um dos suspeitos de corrupção na prefeitura. Aproveitando o maior tempo de rádio e TV, os comerciais também humanizaram propostas e deram mais atenção a transporte público e saúde.
O maior trunfo da campanha, todavia, acabou em frustração. Com 53% dos votos em Porto Alegre em 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era tido pelos petistas como fator de desequilíbrio em favor de Rosário. Porém, às vésperas do primeiro turno, Lula vetou uma lei da deputada que isentava de impostos a compra de eletrodomésticos por vítimas da enchente. No segundo, desistiu de participar da reabertura do Aeroporto Salgado Filho. Até mesmo uma live de Rosário com a primeira-dama Janja da Silva acabou cancelada.
Ressentido com as alianças e candidaturas do PT gaúcho, que considera distante do pragmatismo político de centro-esquerda com que conduz o governo, Lula evitou Porto Alegre durante toda a eleição por temer ficar carimbado com a derrota de Rosário. Na ausência do principal cabo eleitoral, ela apostou em mutirão para virar votos nos últimos dias de campanha.
Ao cabo, não obteve êxito e termina a eleição amargando a segunda maior diferença em relação ao vencedor na história do segundo turno na Capital, com 152.339 votos a menos do que Melo. A maior foi de Alceu Collares (PDT) em relação a Tarso Genro (PT), na eleição de 2000, quando o pedetista recebeu 209,2 mil votos a menos.