Disposta a se aproximar de um público tradicionalmente refratário ao PT, a candidata do partido à prefeitura de Porto Alegre, Maria do Rosário, tem intensificado os eventos de campanha junto a comunidades evangélicas da cidade. A preocupação em atrair o eleitorado religioso é permanente no comitê e faz parte de um movimento nacional do partido.
Em quase todas as agendas de rua, Rosário busca visitar locais de culto, como igrejas católicas ou templos evangélicos. Nessas incursões, o universo neopentecostal recebe atenção especial, seja pela predileção tida como majoritária por políticos de direita ou pela imagem negativa que muitas vezes os adversários tentam construir da petista junto aos fiéis, estigmatizando como algo pejorativo sua histórica defesa dos direitos humanos.
Nos encontros, Rosário sempre lembra que foi relatora da lei do sábado adventista, pela qual alunos de instituições públicas ou privadas têm direito de faltar a aulas ou a provas em datas nas quais sua religião proíbe atividades. A petista também resgata o programa Protege Brasil, criado quando era ministra dos Direitos Humanos e que impede a transferência para abrigo ou a entrega à adoção de crianças cujas mães foram vítimas de feminicídio.
— Esse programa deixa a criança com a avó, garantindo que permaneça na família. Mais recentemente, Rosário aprovou lei que garante pensão para essa criança. São duas iniciativas com muito acolhimento entre os evangélicos — sustenta Mari Perusso, coordenadora da campanha de Rosário.
Na última sexta-feira (20), a candidata visitou uma igreja no extremo sul de Porto Alegre. Durante pouco mais de uma hora, Rosário conversou com membros da comunidade Caminho da Luz, entidade que atua também no tratamento de dependentes químicos na Restinga. As lideranças revelaram que recebem com frequência pacientes destinados pela prefeitura, sem qualquer contrapartida financeira. Acompanhada do ex-prefeito José Fortunati, que é evangélico, Rosário se comprometeu em regularizar a situação da entidade e a criar políticas públicas que incluam comunidades evangélicas nos programas de atenção à saúde mental.
Devoção mostrada em campanha
Com formação familiar cristã, Rosário é católica praticante e pediu aos estrategistas eleitorais do PT para mostrar sua devoção na propaganda de rádio e TV. Além de exibir uma faceta pouco conhecida da candidata, o partido considerou que a iniciativa ajuda a suavizar a imagem de mulher combativa de Rosário junto à opinião pública.
Até o início da pré-campanha, trabalhar temas religiosos não era uma preocupação do PT. No evento de lançamento da pré-candidatura, o slogan era "União e reconstrução", idêntico ao governo federal. Todavia, as primeiras pesquisas qualitativas encomendadas pelo partido começaram a exibir sucessivos depoimentos de pessoas usando a palavra "fé" para embasar sua crença no recomeço pós-enchente.
A recorrência do termo foi tamanha, mesmo muitas vezes citada num contexto de esperança e não necessariamente de devoção religiosa, que os estrategistas decidiram incorporá-la ao slogan. Houve questionamentos internos, principalmente em próceres do PSOL, mas na convenção que oficializou a candidatura o lema da campanha passou a ser "Fé, união e reconstrução".
O comitê não preparou peças específicas de marketing para o público evangélico, mas busca trabalhar amainando resistências e aproximando Rosário das igrejas independentes, cuja estrutura não está vinculada às grandes vertentes neopentecostais que possuem lideranças políticas de direita. Uma das iniciativas foi o café da manhã no qual Rosário e a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), principal expoente evangélica do partido, ofereceram a pastores, obreiros e fiéis, em um hotel da Capital dia 12 de setembro.
Fundação ligada ao partido elaborou cartilha de ações para candidatos
No cenário nacional, a Fundação Perseu Abramo, braço de formação política do PT, elaborou uma cartilha para conduzir as ações dos candidatos junto a comunidades neopentecostais. Com nove páginas, o material orienta os concorrentes a valorizarem a família, a fé e a liberdade religiosa.
O texto sugere lembrar que o PT criou a Lei da Liberdade Religiosa e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Dia Nacional da Marcha para Jesus. "É relevante ressaltar essas leis não como letras frias, mas para mostrar que o partido e suas lideranças nunca defenderam o fechamento de igrejas", destaca a cartilha.
Recheado de citações bíblicas, o documento salienta ainda o que os candidatos devem evitar. Entre as restrições, está não exagerar nas citações a Deus, não citar a Bíblia sem conhecê-la e não tratar todo evangélico como fundamentalista. Em mais uma tentativa de aproximação, Lula sancionou esta semana as leis que criam o Dia do Pastor Evangélico e reconhecem expressões artísticas cristãs.