Uma das mais delicadas tarefas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no retorno à Presidência será recompor as relações entre o seu partido e os militares das Forças Armadas. Essa categoria formou um dos principais sustentáculos do governo de Jair Bolsonaro (PL), muito porque vários dos oficiais guardavam mágoas e se sentiam humilhados por algumas iniciativas das gestões petistas.
A principal delas vem desde o final de 2011, quando os petistas (então no governo) lideraram a Comissão Nacional da Verdade. Formada por uma gama de juristas, ela durou dois anos e investigou violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1985.
O grupo apontou responsáveis por torturas e mortes de militantes políticos de esquerda, sobretudo durante a ditadura militar (1964-1985). Entre os listados estavam familiares de generais que ainda estavam na ativa durante o governo de Dilma Rousseff (PT), impulsionadora da comissão.
Um dos que reclamaram da investigação, o general Hamilton Mourão foi afastado do Comando Militar do Sul (CMS) e acabou, anos depois, tornando-se vice-presidente de Bolsonaro.
Os militares querem, sobretudo, a manutenção da Lei da Anistia, que perdoou os crimes cometidos pelas Forças Armadas e pelas guerrilhas de esquerda durante a ditadura. Em contrapartida, não há queixas quanto a investimentos feitos nos dois governos anteriores de Lula (2003-2010).
A palavra de ordem entre os lulistas, portanto, é distensionamento. Até por isso, é provável que alguém não ligado ao PT seja escolhido para ministro da Defesa (veja abaixo). O que o presidente eleito não abre mão é de que seja um civil, como já aconteceu nas suas gestões anteriores.
As principais questões
Militares no governo
Estudos apontam que a gestão Jair Bolsonaro colocou mais militares em cargos de confiança do que os governos do regime militar (1964-1985). Seriam mais de 6 mil, entre funções gratificadas (FGs) e cargos comissionados (CCs).
É necessário ressaltar que metade desse contingente faz parte de uma força-tarefa montada para atualizar análises (aposentadorias, pensões) acumuladas na Previdência Social. É provável que o governo Lula mantenha esse pessoal e mande de volta para os quartéis (ou para a reserva) os milhares que atuam em cargos políticos do governo (chamados "agregados").
Regras de aposentadoria
Assim como nas polícias, nas Forças Armadas as regras de previdência social são bem menos rígidas do que as para a iniciativa privada. São comuns aposentadorias antes dos 60 anos de idade e com vencimentos integrais. O desejo dos militares é que isso não seja mudado. É bem provável que o governo de Lula mantenha como está.
Manutenção da Escolas Militares
Colégios militares sempre existiram no Brasil e estão entre os que melhor preparam para o vestibular. Mas ganharam impulso sobretudo durante o governo Bolsonaro.
Os militares gostariam que esse projeto fosse mantido. Há contrariedade no PT, sobretudo porque o currículo destas escolas não costuma tecer críticas à ditadura militar pós-1964.
Estratégia Nacional de Defesa
Essa é a "bíblia" das Forças Armadas, o documento pelo qual planejam sua logística e estratégia. Deve ser revisada em 2024.
Um dos desejos dos militares é recuperar a capacidade de investimento da Defesa — seja por meio do orçamento discricionário das Forças Armadas ou por linhas de crédito via BNDES específicas para uso na base industrial de defesa brasileira. Está em andamento um projeto de aquisição de caças Gripen (suecos) e outro de construção de submarinos. Existe possibilidade, porém, de troca do modelo de avião por outro. A pressão será para que Lula mantenha os programas.
Os nomes em estudo
Para o Ministério da Defesa
Quatro nomes nomes são debatidos nas esferas internas do lulismo. Três deles não são e nunca foram ligados ao PT: Geraldo Alckmin (PSB, ex-PSDB), Nelson Jobim (MDB) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB). O quarto é o do petista Celso Amorim.
Alckmin, pelo passado conservador, é muito bem visto no meio militar. É provável, porém, que seja resguardado para trânsito político em várias esferas, por suas décadas de atuação no Executivo paulista.
O advogado gaúcho Nelson Jobim já foi ministro da Defesa de Lula e Dilma, entre 2007 e 2011, além de ter sido ministro da Justiça numa das gestões do presidente Fernando Henrique Cardoso. A relação com os militares foi excelente, e ele tem sido procurado para desanuviar o ambiente pós-bolsonarismo. Hoje, atua num banco.
Aloysio Nunes Ferreira, ligado ao PSDB, foi adversário renhido do PT em São Paulo, mas tem um passado de esquerda. Foi guerrilheiro nos anos 1960 (o que pode dificultar sua relação com os militares), mas tem habilidade política e desde o primeiro turno está com Lula.
O quarto nome lembrado é o do diplomata Celso Amorim, que sucedeu Jobim como ministro da Defesa de Dilma, de 2011 a 2015. Por ser ligado ao PT, é visto com mais resistência no meio militar. Ele também é cotado para atuar nas Relações Exteriores, pasta que chefiou duas vezes (nos governos de Itamar Franco e Lula).
Para o comando do Exército
A escolha é sensível, porque é tradição nas Forças Armadas que um dos critérios para escolha do comandante seja a antiguidade e também é lei que seja general de quatro estrelas (topo da carreira). Caso isso seja respeitado, dois nomes preponderam.
Veja os cotados:
- Valério Stumpf Trindade: gaúcho, 62 anos, é o atual chefe do Estado-Maior do Exército. Tem um dos currículos mais admirados pelos colegas, por passagens em missões da ONU em duas guerras civis, em Angola e na Bósnia. É considerado neutro em política.
- Tomás Miguel Miné Ribeiro de Paiva: paulista, 62 anos, é o atual Comandante Militar do Sudeste. Atuou no Batalhão da ONU no Haiti, foi ajudante de ordens do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e comandou a prestigiada Academia Militar das Agulhas Negras (Aman, formadora de oficiais).
- Richard Nunes: carioca, 59 anos, atual Comandante Militar do Nordeste, sempre defendeu a isenção e o apartidarismo nas Forças Armadas. Foi comandante da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme) e secretário da Segurança Pública do Rio, em 2018. É considerado jovem para comandar o Exército e sua escolha seria uma quebra de tradição.
- São também mencionados dois nomes de veteranos: Edson Leal Pujol (que já comandou o Exército no início do governo Bolsonaro) e Júlio Cesar de Arruda (do Departamento de Engenharia).