Na reta final da campanha presidencial, casos de constrangimento para forçar eleitores a escolherem um ou outro candidato cresceram em todo o Brasil. Dados do Ministério Público do Trabalho (MPT) apontam que somente as denúncias de assédio eleitoral contra trabalhadores da iniciativa privada e servidores aumentaram 2.577% entre o primeiro e o segundo turnos.
O órgão afirmou que não classifica as denúncias de acordo com os partidos políticos.
Especialistas apontam que as pressões extrapolam o mundo do trabalho e são mais graves do que a simples manifestação de apoio, se tornando, inclusive, um motivo de sofrimento emocional para muitos eleitores. A promotora Ana Laura Lunardelli, assessora eleitoral do procurador-geral de Justiça de São Paulo, por exemplo, disse que são muitas as denúncias de coação eleitoral, que não se restringem ao ambiente laboral.
Segundo Ana Laura, os casos, que chegam por "várias portas", estão sob investigação de acordo com a atribuição de cada órgão: enquanto o MPT se concentra em apurar se as relações empregatícias foram afetadas, a Promotoria Eleitoral investiga se houve prática criminosa relacionada às eleições. São situações independentes, com consequências distintas, afirmou a promotora.
Ela mencionou o artigo 301 do Código Eleitoral, que estabelece pena de reclusão de até quatro anos para quem "usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos", o que não se restringe às relações trabalhistas. No caso do setor público, gestores investigados também podem sofrer afastamento provisório de suas atividades enquanto corre o processo legal.
Com a experiência de ter atuado em outros quatro pleitos, a promotora afirmou que o cenário atual não tem paralelo na história recente.
— Estamos retrocedendo e vendo o coronelismo.
Ana Laura disse acreditar que "o absurdo está sendo normalizado". Segundo ela, uma parcela da sociedade trata ilícitos como aceitáveis.
Registros
O MPT recebeu até agora 1.633 denúncias de 1.284 empresas diferentes. Ao menos 1.572 delas ocorreram após o dia 2 de outubro. O número é quase oito vezes maior do que os casos que chegaram ao MPT ao longo de todo o período eleitoral de 2018, quando foram registrados 212 relatos.
A Procuradoria-Geral do Trabalho instalou um gabinete de crise para lidar com a demanda exacerbada de denúncias de assédio eleitoral. Segundo o procurador-geral José de Lima Ramos Pereira, o órgão tem reunido dados e divulgado duas vezes ao dia, para manter o panorama atualizado.
Para ele, o aumento exponencial na quantidade de denúncias de assédio eleitoral é fruto do acirramento no segundo turno.
— As pessoas têm essa percepção de que estão ferindo o direito de voto. De outro lado, há uma banalização de ilícitos, com empresários fazendo postagens em redes sociais, talvez pensando que o Estado não vai fazer nada — disse Pereira.
Os casos do MPT são encaminhados também ao Ministério Público Eleitoral. Potenciais responsabilizações podem ocorrer mesmo depois do pleito. Na quarta-feira (26), o senador Alexandre Silveira (PSD-MG) afirmou em plenário que os parlamentares já reuniram assinaturas para instaurar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar abusos.
Coerção
Para o cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, a coerção é um fenômeno antidemocrático, que viola o princípio da liberdade do voto e atenta contra a democracia.
— A gente poderia estar em um quadro muito mais grave. Já temos notícia de pessoas que votaram coagidas no primeiro turno. Isso tem um efeito psicológico ruim, e isso de certa forma representa uma forma de coação pelo poder econômico — disse.
Como denunciar
O canal de denúncia dessa prática é o aplicativo para celular Pardal, disponível nas lojas virtuais Play Store (para smartphones com sistema Android) e App Store (para smartphones com sistema iOS). Ele permite o envio de denúncias com indícios de práticas indevidas ou ilegais no âmbito da Justiça Eleitoral. As comunicações também podem ser feitas no site do Ministério Público do Trabalho.