Com foco em propostas, apostando em um discurso moderado e beneficiada pela divisão dos adversários no campo da centro-direita, Manuela D’Ávila (PCdoB) foi alçada, na noite deste domingo (15), ao segundo turno da eleição na principal cidade do Rio Grande do Sul. Mas, ao contrário do que indicavam as pesquisas, a candidata à prefeitura de Porto Alegre não ficou na liderança: conquistou 29% dos votos válidos, atrás de Sebastião Melo (MDB) — que acabou beneficiado pelos eleitores de José Fortunati (PTB), fora da disputa.
Para realizar o sonho de se tornar a primeira mulher a comandar o Paço Municipal, a ex-deputada terá de superar Melo, que recebeu 31,01% da preferência do eleitorado. Cansada após a longa espera pelo resultado, revelado tarde da noite, Manuela deu entrevista coletiva via internet. Agradeceu aos eleitores e disse estar honrada com desfecho.
— Em primeiro lugar, eu e Rossetto queremos agradecer à população de Porto Alegre. Para nós, é algo muito importante. Nós tivemos uma grande vitória na noite de hoje. Há muitos anos, os nossos sonhos e o nosso projeto político não chegavam ao segundo turno da eleição. Para a gente, é uma responsabilidade tremenda representar o sonho, a esperança, o projeto da cidade do primeiro turno, de tantas pessoas que nos trouxeram até aqui — disse a candidata.
O clima, na sala onde foi realizada a transmissão ao vivo, era de certa frustração. Ainda que todos estivessem satisfeitos com a passagem à segunda etapa, a virada de Melo não era esperada. Evitando deixar transparecer o sentimento da equipe, que se misturava à exaustão, Manuela afirmou ter recebido “vários recados” das urnas.
— Em primeiríssimo lugar, o recado de que a cidade quer construir um caminho diferente. A cidade tomou a decisão de mudar de rumo. Nós queremos, no segundo turno, disputar qual rumo será esse. Se queremos um caminho novo, com novas ideias, ou se vamos voltar para um passado recente de obras abandonadas, sem respostas para os problemas cotidianos do nosso povo — declarou.
O outro recado enviado pelo eleitorado, na avaliação de Manuela, veio do alto índice de abstenção, que chegou a 33,08%. Para reverter a situação, ela disse que irá propor ao adversário “elevar o nível da discussão”.
Nós tivemos uma grande vitória na noite de hoje
MANUELA D'ÁVILA
Candidata à prefeitura de Porto Alegre pelo PCdoB
— A maior escolha dos porto-alegrenses foi não votar. Porto Alegre decidiu não comparecer às urnas. Nós acreditamos que esse também é um debate a ser feito. É importante entender por qual razão a maior escolha da cidade foi não votar por um prefeito — ressaltou a candidata, que adiantou o desejo de procurar Fernanda Melchionna (PSOL) e Juliana Brizola (PDT) para compor a aliança com o objetivo de mudar a cidade.
Forjada no movimento estudantil, a porto-alegrense de 39 anos acostumou-se a enfileirar conquistas na carreira precoce. Filiada ao PCdoB, foi a vereadora mais jovem do município onde nasceu e a deputada federal mais votada do país, mas também viveu insucessos. Até hoje, não havia conseguido ultrapassar a barreira do primeiro turno em Porto Alegre.
Em 2008, terminou a corrida ao Executivo municipal em terceiro lugar. Na eleição seguinte, ficou em segundo. Desde então, adiou o sonho e trilhou novos caminhos. Após anos em Brasília, voltou a viver na Capital, tornou-se deputada estadual com votação recorde e, em 2016, optou por não disputar o Paço para se dedicar à filha, Laura, recém-nascida.
A pausa durou dois anos. Em 2018, deu um passo além: lançou seu nome a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad (PT), em um processo eleitoral turbulento. Apesar da derrota, saiu mais forte: ganhou visibilidade, apoiadores ilustres (de Caetano Veloso a Chico Buarque) e estatura política.
— A Manu cresceu muito com a eleição de 2018. Percorreu o Brasil, conheceu pessoas, amadureceu. Acho que a população de Porto Alegre percebeu isso. Foi como se as pessoas dissessem: chegou a tua vez. Sentimos isso nas ruas todos os dias — relatou Ticiana Alvares, 37 anos, amiga de longa data e fiel escudeira de Manuela.
Dessa experiência, do apoio da família (Manuela é casada com o músico Duca Leindecker) e do desejo de transformar a cidade, sobreveio a decisão de tentar, outra vez, a sonhada gestão municipal. Com o nome no topo das pesquisas, ela planejou cada passo, tendo o PT ao seu lado, em raro papel de coadjuvante, com Miguel Rossetto candidato a vice-prefeito.
Ao assumir o protagonismo, impondo sua marca à candidatura, a ex-deputada conseguiu neutralizar o sentimento antipetista difuso em parte do eleitorado. Ao mesmo tempo, beneficiou-se dos votos e da força dos militantes.
— Existem diferentes PTs. O PT gaúcho ainda tem base eleitoral ampla, militância forte e figuras emblemáticas, como Olívio Dutra, com trajetória irreparável. O mesmo vale para Rossetto, um candidato a vice absolutamente comprometido com o nosso projeto — destacou Marcio Cabreira, coordenador da campanha.
Em outra frente, Manuela foi bem sucedida ao apostar em inserções de rádio e TV sem sinais de agressividade, reforçando a imagem de mãe e mulher preocupada com a vida na urbe. A propaganda buscou aproximá-la da realidade cotidiana e focou no programa de governo, construído após duas centenas de videoconferências, com a participação de 7 mil pessoas de diferentes bairros.
As peças publicitárias também apontaram Manuela como a genuína opção de mudança, sob o argumento de que entre os principais concorrentes havia um prefeito, um ex-prefeito e um ex-vice-prefeito, que “já tiveram a sua chance”. A fragmentação do campo adversário, aliás, favoreceu a candidata ao pulverizar os votos da centro-direita, embora a reviravolta envolvendo Fortunati, na última semana, tenha ajudado Melo e desbancado Manuela da possível liderança.
Se a virada de Melo se confirmou na noite deste domingo, a tentativa dos oponentes de desqualificar a adversária para tirá-la do páreo não encontrou eco. A interferência de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente da República, também não parece ter surtido efeito. No Twitter, ele convocou “voluntários” para o que chamou de “guerra” contra Manuela, que, ao longo da campanha, derrubou na Justiça meio milhão de fake news deturpando sua imagem.
Até aqui, a estratégia funcionou, mas a disputa, agora, ganha novos matizes, principalmente diante da ascendência de Melo no pleito. Calejada, Manuela sabe que, se quiser ocupar a vaga de Nelson Marchezan e fazer história como a primeira mulher a governar Porto Alegre, terá de mitigar a rejeição ao seu nome, provar que tem capacidade de gestão e vencer a resistência de setores da sociedade que não admitem a volta da esquerda à prefeitura, depois de 15 anos de jejum.