Uma arrancada ao estilo rastilho de pólvora, nos últimos dias do primeiro turno, alçou Sebastião Melo (MDB) ao embate final na disputa pela prefeitura de Porto Alegre. Neste domingo (15), o candidato obteve 31,01% dos votos válidos, suficientes para se desgarrar do atual prefeito Nelson Marchezan (PSDB), que, até poucos dias atrás, figurava em uma luta palmo a palmo com o emedebista. Mais do que isso, a onda permitiu a Melo suplantar a candidata Manuela D’Ávila (PCdoB), que liderava as pesquisas, em desempenho que surpreendeu até os seus assessores mais próximos. No segundo turno, marcado para o dia 29 de novembro, Melo enfrentará Manuela, que alcançou 29,00% dos votos válidos.
— É momento de comparações, sim. São dois projetos que pensam completamente diferente sobre a gestão da cidade — declarou Melo na entrevista, antecipando o debate com a candidata.
O desfecho favorável a Melo foi delineado por um fato que marcou a história desta eleição: menos de uma semana antes da abertura das urnas, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) indeferiu a candidatura de André Cecchini (Patriota), que postulava o cargo de vice-prefeito na chapa de José Fortunati (PTB).
Como não havia mais tempo legal para substituir o vice, Fortunati, que também estava na briga com Melo e Marchezan por uma vaga no segundo turno, ficou ameaçado de ter todos os seus votos anulados. Em um beco sem saída, o petebista renunciou à candidatura na quarta-feira (11) e, no dia seguinte, acatou a decisão do PTB e gravou um vídeo de apoio e pedido de votos em Melo.
Quem moveu a ação que acabou por derrubar Fortunati foi um candidato a vereador do PRTB, partido aliado de Melo, assessorado por um advogado especialista em direito eleitoral de São Paulo. A equipe de Melo não assume que organizou a estratégia, diz que a iniciativa foi de cunho estritamente pessoal de um terceiro. Vice-prefeito de Fortunati entre 2013 e 2016, Melo se beneficiou diretamente dos acontecimentos que abateram seu antigo parceiro, herdando votos do petebista que foram decisivos para colocá-lo com confortável margem no segundo turno. Desde quinta-feira (12), o MDB pôs caminhões de som a circular nas periferias da cidade para reproduzir o pedido de votos de Fortunati em Melo.
— Eu queria muito que o Fortunati estivesse aqui hoje, liguei para ele. Fortunati foi grande e merece nosso aplauso e carinho. Nossa gratidão — disse Melo.
Se foi tacada de mestre, obra do acaso ou jogada desleal, vai depender de quem olha e da consolidação histórica das narrativas. O fato é que a ejeção de Fortunati do pleito e a concordância do ex-prefeito em apoiar publicamente Melo, mesmo depois de alijado da disputa pela Justiça, foi o detalhe que acabou decidindo o primeiro turno da eleição.
Fortunati foi grande e merece nosso aplauso e carinho. Nossa gratidão
SEBASTIÃO MELO
A migração de votos de Fortunati, aliada ao perfil popular de Melo, carismático sobretudo entre as camadas mais humildes da sociedade, conhecedor de cada vila de Porto Alegre, foram ingredientes suficientes para levar o goiano de Piracanjuba ao segundo turno.
Melo chega mais uma vez à etapa final da eleição pela prefeitura de Porto Alegre, feito que já havia alcançado em 2016. Mas muita coisa mudou em quatro anos. Daquela vez, o emedebista era vice-prefeito em exercício, apoiado pelo prefeito Fortunati, que não podia mais tentar a reeleição. Melo liderou parte da corrida de primeiro turno, mas foi ultrapassado pelo atual prefeito Marchezan na reta final, também em movimento de arrancada.
A ida ao segundo turno, daquela vez, soou quase como derrota. O resultado mostrava que a ascensão de Marchezan era meteórica e que ele superaria o emedebista com tranquilidade. Político experiente, Melo fez a leitura desta realidade brevemente. Na noite em que se classificou para bater chapa com Marchezan em 2016, ele fez um brevíssimo discurso para poucos apoiadores em frente ao Chalé da Praça XV. Logo depois, se refugiou no interior do tradicional restaurante do Centro Histórico. Sentou por vários minutos sozinho, em uma mesa bem ao fundo, em silêncio, bebericando uma taça de champanhe e fitando o vazio. Agora, em 2020, a situação é diferente. Quem deu a arrancada final foi o emedebista, superando Marchezan e, desde já, se colocando à frente de Manuela, com chance real de vitória.
Estratégias
Uma das estratégias que Melo usará no segundo turno contra a candidata também mostra como a política se reacomoda em curto espaço de tempo. O emedebista irá explorar o bordão de que ele é a “única alternativa para vencer a comunista”, em referência ao partido de Manuela, o que ele já vinha fazendo no primeiro turno.
— Vamos cancelar os aumentos do IPTU e abrir todas as atividades econômicas que estiverem fechadas. Vamos abrir essa cidade porque se a economia não girar não tem dinheiro — declarou Melo.
Melo sempre teve perfil moderado, de centro, nutrindo relações amistosas com a esquerda e a direita. Na época da ditadura, fez oposição ao regime no velho MDB. Em 2016, sua candidata a vice-prefeita era Juliana Brizola (PDT), de centro-esquerda. Depois, em 2018, Melo se elegeu deputado estadual e sentiu desconforto quando o então governador José Ivo Sartori (MDB) se jogou em um apoio incondicional a Jair Bolsonaro na eleição presidencial.
À época, revelou a assessores próximos certa decepção com o MDB, mas ficou no partido em que milita há quase quatro décadas. Acalentando o sonho de ser prefeito de Porto Alegre, onde chegou paupérrimo em busca de emprego em 1978, aderiu ao pragmatismo.
Percebendo que o bolsonarismo não tinha um candidato natural, usou sua habilidade política e capacidade de diálogo para aglutinar no seu entorno o apoio de praticamente todos os parlamentares ligados ao presidente no Rio Grande do Sul, desde Bibo Nunes até Luciano Zucco e Ubiratan Sanderson, os três do PSL. Ainda teve ao seu lado conservadores vinculados à segurança pública, como o coronel Mario Ikeda (PRTB) e a comandante Nadia Gerhard (DEM), e ganhou apoio informal de alguns liberais do Novo. O seu vice, Ricardo Gomes (DEM), é outro nome forte da direita liberal porto-alegrense. A versão reformulada de Melo engatou a quinta marcha, com indicativo de que ele conseguiu reunir os votos do antipetismo e dos conservadores, além da herança de Fortunati.