Os efeitos da covid-19 transpassam os três maiores desafios do futuro prefeito de Canoas, que será escolhido entre nove candidatos. Na terceira reportagem da série sobre os principais problemas dos municípios com possibilidade de segundo turno, GZH identificou que a retomada do desenvolvimento econômico, a qualificação do transporte coletivo e a redução da fila por consultas com médicos especialistas são os temas mais urgentes para o próximo gestor.
Canoas tem o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, mas sofreu a perda de milhares de empregos na pandemia do coronavírus. A avaliação de lideranças locais é de que, sem recuperação econômica, o município não dará partida em um ciclo virtuoso com geração de emprego, renda e estabilidade social.
O transporte coletivo, problema antigo, segue com atrasos e tarifa alta. A pandemia, dizem referências locais, tornou a circulação de ônibus ainda mais escassa. O terceiro desafio será enfrentar a fila para consultas com médicos especialistas. A espera se alongou em época de coronavírus. São problemas da vida real, que tocam os 348,2 mil habitantes de Canoas cotidianamente e que aguardam por soluções do próximo prefeito.
Para definir os três principais desafios do futuro prefeito de Canoas, GZH consultou: Thomas Heimann, reitor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), André Guindani, presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Canoas (Cics Canoas) e Alcindo Pereira, presidente da União das Associações de Moradores de Canoas (Uamca).
Desenvolvimento econômico
Negócios fechados e escassez de insumos
Gerações de canoenses aprenderam a nadar na Polisport, academia tradicional localizada em amplo complexo esportivo no bairro Marechal Rondon. Após quatro décadas de atuação, o dia 9 de outubro marcou o cessar das braçadas na piscina. O negócio, que empregava mais de 20 profissionais, não suportou os efeitos da pandemia. A Polisport perdeu mais da metade dos clientes.
– O ano começou relativamente bem, mas vieram a pandemia, os decretos, as restrições, as fiscalizações, uma paranoia gigantesca que acabou sendo assumida também pelos clientes, por mais protocolos que adotássemos. Muitos ficaram com medo e a visitação baixou muito – relata George Schuch, 43 anos, proprietário e administrador da empresa.
O receio de uma segunda onda da pandemia levou Schuch a optar pelo fechamento:
– Surgiu uma oportunidade imobiliária e aproveitamos para encerrar a história da empresa de forma saudável.
Para entidades como a Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Canoas (Cics Canoas), o futuro prefeito precisará emplacar um “programa agressivo” de redução do ISS, parcelamento de dívidas e desburocratização dos serviços públicos para revitalizar a economia.
Canoas registrou a perda de 3.117 postos de trabalho com carteira assinada entre janeiro e agosto de 2020. Dos 348,2 mil habitantes do município, 95,4 mil, ou 27,40%, foram beneficiados com o auxílio emergencial.
No setor industrial, as perdas foram menores na pandemia, mas também há desafios. A Bucher, fornecedora de sistemas hidráulicos, projeta terminar o ano de 2020 com queda de 10% nas receitas em comparação com 2019. Diante das circunstâncias, o resultado é considerado positivo por Rinaldo Fernandes, gerente-geral da empresa. O problema, destaca, é a escassez de matéria-prima na cadeia industrial.
Devido à redução da produção em tempos de incerteza, está faltando aço, alumínio, cobre, plásticos e embalagens de papelão.
– Isso dificulta a retomada e o planejamento. Se estivéssemos com as matérias-primas, eu estaria precisando contratar mais funcionários – relata Fernandes.
Transporte público
Demora testa paciência de passageiros
Na Avenida Victor Barreto, no Centro, pontos de ônibus lotados e pessoas impacientes davam o tom de mais um dia na rotina de Canoas na tarde de 21 de outubro, uma quarta-feira. A consultora educacional Darlene Antunes, 37 anos, se desloca diariamente entre o bairro Guajuviras e a região central com os ônibus da Sogal, que presta o serviço de transporte público na cidade. Ela define o sistema como “muito precário”:
– Se perco um ônibus, só vem outro uma hora depois. Na melhor das hipóteses, 40 minutos fora do horário de pico. No mesmo veículo, embarcou Jânio Andrade, 59 anos, morador do bairro Igara. Antes de ingressar no coletivo, já perto da superlotação, desabafou.
– Estou há duas horas na parada. É diário esse tipo de demora. Recorro ao transporte por aplicativo quando estou muito cansado – relata Andrade, citando alternativa que tem contribuído para a perda de usuários no transporte coletivo.
A União das Associações de Moradores de Canoas (Uamca) diz que os horários foram reduzidos na pandemia e não acompanharam o ritmo de retomada das atividades. O valor da tarifa (R$ 4,60) é considerado elevado. O setor de planejamento da Sogal informou que 68 veículos estão rodando para atender 53 linhas municipais. As tabelas, diz a empresa, são ajustadas conforme a demanda.
Quando o relógio marcava 16h41min, no mesmo dia 21, Katia Borges, 31 anos, aguardava a condução na Avenida Guilherme Schell. Funcionária de um escritório de contabilidade em Canoas, ela retorna ao lar em Cachoeirinha com as linhas intermunicipais da Vicasa.
– Depois da pandemia, os horários ficaram muito distantes. Já aconteceu de o ônibus passar lotado e não parar para eu embarcar – lamenta Katia.
O transporte intermunicipal não é atribuição direta da prefeitura, que pode fazer convênios de cooperação técnica para qualificar a execução dos contratos, sob gestão do governo estadual e da Metroplan.
Especialidades médicas
Maratona de moradores por diagnóstico e tratamento
Vítima de problemas de saúde diversos, Elizete Rodrigues Pereira, 52 anos, residente do bairro Mathias Velho, enfrenta dificuldades para conseguir consultas com médicos especialistas em Canoas. A consequência é que ela não obtém diagnóstico preciso, tampouco recebe um tratamento adequado.
Com uma pilha de requisições de exames e consultas em mãos, na sala de casa, ela lista as ocasiões em que os processos ficaram pela metade. Em junho de 2018, Elizete consultou um reumatologista. O profissional pediu a realização de exames, incluindo um de sangue, que foi marcado para fevereiro de 2019, oito meses adiante.
– Quando cheguei no laboratório, disseram que não daria para fazer o exame sem consulta de retorno (com o reumatologista) marcada. E aí não fiz – conta.
Situação semelhante ocorreu quando ela foi atendida pelo proctologista. O médico pediu a realização de uma biópsia, que chegou a ser feita, neste caso. Contudo, depois disso, Elizete não foi chamada à consulta de retorno para mostrar o resultado.
– É desgastante, a gente tem um problema e não consegue amenizar. Não consigo nem saber direito o que eu tenho. A parte emocional é difícil – lamenta ela.
O avanço do coronavírus, cuja gravidade levou redes de saúde a priorizar pacientes com covid-19, contribuiu para aumentar as filas em outros setores da medicina. No caso de Elizete, que já tirou o útero e precisa de acompanhamento do ginecologista, as consultas periódicas que costumava fazer não aconteceram mais desde o início da pandemia.
A realização de exames está vinculada ao contexto. Ata de reunião do Conselho Municipal de Saúde, de outubro de 2019, revela divergência entre a prefeitura e integrantes do órgão, que mencionaram a suposta existência de longa fila para a mamografia.
Questionada por GZH, a prefeitura de Canoas informou que a rede de saúde da cidade conta com 83 diferentes especialidades médicas, para as quais existe hoje fila de cerca de 13 mil pessoas aguardando por uma consulta.