Foi durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na década de 1990, que o Brasil passou a conviver com a possibilidade de reeleição. Desde então, o país ofereceu a possibilidade de recondução ao cargo a presidente, governadores e prefeitos — no Estado de São Paulo, por exemplo, Geraldo Alckmin cumpriu quatro mandatos. Mas uma unidade federativa foge à regra: por que o Rio Grande do Sul nunca reelegeu um governador em sua história?
A derrota de José Ivo Sartori (MDB), que obteve 2.705.601 votos — o equivalente a 46,38% dos válidos — já foi experimentada por antecessores de partidos, visões e posições diversas no espectro político: Antônio Britto (PMDB), Germano Rigotto (PMDB), Yeda Crusius (PSDB) e Tarso Genro (PT) tentaram a reeleição e foram rejeitados em sequência pelos candidatos de oposição.
Entre quem estuda o assunto, há quem considere a situação do RS especialmente complicada entre os Estados brasileiros, o que tornaria a tarefa mais difícil para quem é situação, e quem avalie que essa realidade tenha a ver com particularidades dos gaúchos. Para Gustavo Grohmann, cientista político e professor de Ciência Política da UFRGS, o fato de três dos seis governadores do período serem peemedebistas pode ser uma pista para entender o fenômeno:
— O gaúcho é, antes de mais nada, do contra. É um traço da cultura política local que tem influência, mas de uma maneira interessante, porque isso normalmente não se reflete em votos para a oposição, mas em uma terceira via. Enquanto Britto e Olívio brigavam, em 2002, Rigotto se elegeu, e o mesmo aconteceu com Sartori, que apareceu com 3% das intenções de voto e cresceu diante do embate entre Tarso e Ana Amélia (Lemos, do PP), em 2014. Quando surge uma polarização forte, o gaúcho parece preferir um terceiro caminho, mais suave — avalia Grohmann.
Para analistas, a grave crise por que passa o Estado foi um dos principais complicadores para a tentativa de reeleição de Sartori.
— Penso que há uma combinação perversa de déficit fiscal crônico, baixa capacidade de investimento e uma burocracia disfuncional que fragiliza os governos diante da sociedade — sintetiza o cientista político Fernando Schüler, professor do Insper.
É quase folclórica a ideia de que o gaúcho é dicotômico por natureza: dos chimangos e maragatos aos gremistas e colorados, é quase senso comum a ideia de que quem nasce no Rio Grande do Sul precisa ter lado desde cedo. O professor de Ciência Política da UFRGS Benedito Tadeu César vai mais a fundo na ideia: mais do que um embate entre direita e esquerda ou entre progressistas e conservadores, o Rio Grande do Sul cresceu politicamente com o confronto entre o trabalhismo, representado por figuras como Getúlio Vargas e Leonel Brizola, e o antitrabalhismo.
— Historicamente, temos esse confronto. Analisando grosseiramente, podemos dizer que temos um terço de trabalhistas convictos, um terço de antitrabalhistas convictos e um terço de pessoas que se posicionam ao centro. Neste caso, quem decide a eleição é o centro político, que às vezes pende mais para o trabalhismo ou mais para o antitrabalhismo, e acaba funcionando como um fiel da balança. Quem angaria esses votos, ganha — avalia César.
Quem chegou mais perto da reeleição no Rio Grande do Sul foi também o primeiro a tentá-la: em 1998, Antônio Britto conseguiu 49,2% dos votos — quatro anos antes, quando também havia disputado com o petista Olívio Dutra, alcançou 52% da preferência do Estado. Quem ficou mais distante do segundo mandato foi Yeda Crusius, também do PSDB, que teve apenas 18% dos votos em 2010, terceira colocada no pleito que elegeu Tarso ainda no primeiro turno. Para Benedito César, a explicação para os dois casos é parecida:
— Yeda tinha uma personalidade muito difícil e se indispôs com todo mundo, principalmente com os prefeitos. Sem o apoio dos prefeitos, é muito difícil se eleger. Muito da não reeleição do Britto é por ter perdido o apoio de suas bases, e a Yeda repete isso 10 anos depois. E, no caso da Yeda, soma-se o momento do PT, de sucesso do governo Lula, que emplacaria a Dilma nacionalmente e o Tarso no Rio Grande do Sul.
A mudança é regra
Relembre o resultado das eleições gaúchas desde a aprovação da reeleição
1998
- Olívio Dutra (PT): 50,78%
- Antônio Britto (PMDB): 49,22%
2002
- Germano Rigotto (PMDB): 52,67%
- Tarso Genro (PT): 47,33%
2006
- Yeda Crusius (PSDB): 53,95%
- Olívio Dutra (PT): 46,05%
2010 (Eleição definida no 1º turno)
- Tarso Genro (PT): 54,35%
- José Fogaça (PMDB): 24,74%
- Yeda Crusius (PSDB): 18,4%
2014
- José Ivo Sartori (MDB): 61,21%
- Tarso Genro (PT): 38,79%