As discordâncias entre o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) e seu candidato a vice, general Hamilton Mourão (PRTB), se acentuaram na reta final da campanha. Declarações polêmicas sobre etnias, benefícios ao trabalhador, a possibilidade de nova constituição e o papel da figura feminina na criação dos filhos geraram tensão entre a dupla que disputa o segundo turno pela coligação 'Brasil acima de tudo, Deus acima de todos'. Em alguns pronunciamentos, o cabeça de chapa chamou a atenção do colega. Em outras, o próprio autor das declarações relativizou suas falas.
Na segunda-feira (8), em entrevista para o Jornal Nacional, a primeira depois do primeiro turno, Bolsonaro voltou a chamar a atenção do militar reformado que está ao seu lado na trincheira da disputa eleitoral. Em dois momentos, o candidato ao Planalto chegou a trocar o nome do vice, chamando de Augusto e José Augusto Mourão.
— Falta tato e vivência para o Mourão — sinalizou Bolsonaro.
Confira momentos em que Mourão gerou controvérsias por suas declarações.
Em 6 de agosto, apenas um dia depois de ser confirmado como vice de Jair Bolsonaro, Mourão esteve em Caxias do Sul para falar sobre os desafios do país em um evento da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC). Ao comentar sobre a herança cultural brasileira, o general reformado do Exército disse que os índios são indolentes, e os negros, malandros.
— Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena, minha gente, meu pai era amazonense. E a malandragem. Edson (da) Rosa, nada contra, viu, mas a malandragem que é oriunda do africano. Esse é o nosso caldinho cultural — disse Mourão, mencionando o vereador Edson da Rosa, que é negro, e estava presente.
Na mesma data, pouco mais tarde, em entrevista ao GaúchaZH, o militar reclamou que a repercussão da fala foi deturpada.
— Tenho dito isso em todos os lugares. Nós somos uma amálgama de três raças: do branco, europeu, do índio, que já estava na América, e do negro africano que foi trazido escravo para cá. Sou filho de amazonense, meu sangue é indígena total. Cada raça tem suas coisas boas e coisas ruins, que se juntaram na raça brasileira. Falei que o branco gosta de privilégio, mas ninguém comentou isso — justificou, acrescentando:
— O que deixo muito claro é que eu não sou racista, Bolsonaro não é racista, nós entendemos claramente a raça brasileira, e nós somos isso que se procura hoje, trazer para dentro do Brasil conflitos que nós não temos. Não temos o conflito racial como há em outros países — disse o general.
Em palestra no Instituto de Engenharia do Paraná, no dia 13 setembro em Curitiba, Mourão defendeu uma nova Constituição. Segundo ele, a elaboração do documento de 1988, por parlamentares eleitos, "foi um erro". O militar argumentou que a nova Carta deveria ser criada por "grandes juristas e constitucionalistas".
— Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo. Já tivemos vários tipos de Constituição que vigoraram sem ter passado pelo Congresso eleitos — afirmou, destacando que esse tipo de documento, sem a participação de eleitos, já esteve em vigor em períodos democráticos do país, não apenas durante a ditadura.
Segundo o general, essa "nova" Constituição deveria ser mais "enxuta" que a atual, parecida com a norte-americana, contendo apenas princípios e valores gerais para reger o Brasil.
— O restante, como o horário de trabalho do bancário, o juro tabelado, essas coisas, isso (deve estar) em lei ordinária, porque muda de acordo com os valores e o tempo.
— Ele é general. Eu sou capitão, mas eu sou o presidente. Eu o desautorizei. Ele não poderia ir além daquilo que a Constituição permite. Jamais eu posso admitir uma nova constituinte até por falta de poderes para tal.
Em 17 de setembro, o vice de Jair Bolsonaro declarou que famílias pobres sem a presença de pai e avô, mas com "mãe e avó", são "fábricas de desajustados", que tendem a entrar no mundo do tráfico de drogas. Conforme o jornal Folha de S.Paulo, a fala do General Mourão foi dada quando ele citava teoria na qual defensores de "agendas particulares" tentam dissolver o núcleo da família. O militar participava de evento do Sindicado do Mercado Imobiliário (Secovi), em São Paulo.
— A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô, é mãe e avó. E, por isso, torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narcoquadrilhas — avaliou o candidato, complementando que a sociedade vive uma crise de costumes.
Um dia depois, Mourão relativizou o próprio comentário:
- Um órgão de imprensa disse que critiquei as mulheres, estou apenas fazendo a constatação de coisas que ocorrem em comunidades carentes, com famílias lideradas por mães e avós, pois o homem ou morreu ou está preso, e a maioria dessas mulheres são trabalhadoras, cozinheiras, faxineiras e não tem com quem deixar seus filhos porque não tem creche e escola de tempo integral, então, essa criança vira presa fácil do narcotráfico — declarou.
Em palestra para lojistas em 26 de setembro, em Uruguaiana, Mourão deu mais uma declaração polêmica ao criticar o 13º salário e o abono salarial de férias. No evento, promovido pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) da cidade, o militar reformado classificou como "jabuticabas" os benefícios quando abordou a reforma trabalhista.
— Temos algumas jabuticabas que a gente sabe que é uma mochila nas costas de todo empresário brasileiro. Jabuticabas brasileiras: 13º salário. Se a gente arrecada 12, como pagamos 13? É complicado.
Ele ainda acrescentou:
— O Brasil é o único lugar que a gente, quando entra em férias, ganha mais. São coisas nossas, essa legislação sempre dita social, mas com o chapéu dos outros, não o do governo.
Em razão das declarações, o candidato a vice foi repreendido por seu cabeça de chapa. Bolsonaro foi ao Twitter para se posicionar contra o general e orientar aliados a defenderem as garantias trabalhistas. O presidenciável sugeriu que Mourão não conhece as regras constitucionais.
"O 13º salário do trabalhador está previsto no art. 7º da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não passível de ser suprimido sequer por Proposta de Emenda à Constituição)", escreveu o postulante ao Planalto. Em outra postagem na rede social, Bolsonaro complementou: "Criticá-lo, além de ser ofensa a quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição".
Contudo, em 2 de outubro, Mourão voltou a atacar o vencimento complementar de fim de ano:
— O 13º eu simplesmente disse que tem que ter planejamento, entendimento de que é um custo. Na realidade, se você for olhar, seu empregador te paga 1/12 a menos (por mês). No final do ano, ele te devolve esse salário. E o governo, o que faz? Aumenta o imposto para pagar o meu. No final das contas, todos saímos prejudicados — disse o general.
Um dia antes do primeiro turno, no sábado (6), o candidato a vice voltou a polemizar. O motivo foi a declaração que deu ao chegar no Aeroporto de Brasília. No desembarque, o militar apresentou o neto a jornalistas e elogiou e beleza do menino dizendo que era "branqueamento da raça".
— Meu neto é um cara bonito, viu ali? Branqueamento da raça — disse Mourão, que já se declarou indígena.
Um dia depois, evitou comentar o caso, que chamou de brincadeira. Segundo ele, não haveria o que esclarecer. O candidato acusou os jornalistas de terem levado a declaração "para outro lado", e justificou, pouco antes de pegar o voo de volta ao Rio de Janeiro, onde encontraria o presidenciável do PSL.
— Fui idiota. Porque eu brinco, e as pessoas não entendem que é uma brincadeira. Eu sou um cara sincero. Vocês têm de entender isso — disse.
Questionado sobre se iria mudar seu jeito por causa da campanha, ele negou, dizendo que, se mudar, será "horroroso".
— Podem bater à vontade, porque a carcaça é boa — concluiu.