Fake news é termo novo para uma prática histórica, a falsificação de notícias em época de campanha eleitoral. Um modus operandi tão antigo quanto a Velha República, ao menos. É o que mostra o livro Você foi Enganado – Mentiras, exageros e contradições dos últimos presidentes do Brasil, que acaba de sair do prelo.
Os autores são experts em investigação e política, não necessariamente nessa ordem. Cristina Tardáguila é uma das responsáveis pela Agência Lupa, especializada em checagem de notícias falsas. Chico Otávio é repórter especial de O Globo e coleciona prêmios por reportagens investigativas – os últimos “furos” foram sobre a participação de milícias no assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio.
Cristina e Chico condensaram em 284 páginas um século de mentiras aplicadas por políticos no Brasil. Não as cotidianas, mas aquelas que ajudaram a mudar a História. Decidiram aprofundar episódios decisivos, de peso, em que, aproveitando-se da boa-fé dos brasileiros, políticos usaram a mentira como instrumento de conquista e de manutenção do poder.
Os autores do livro ressaltam: a farsa com finalidade política não segue ideologias nem é recurso restrito a determinados partidos. Tem sido utilizada por conservadores, moderados, esquerdistas e ditadores. A obra mostra como esses dirigentes sustentaram opiniões, defenderam políticas e desenvolveram planos travestidos de combate à corrupção, tomando decisões baseadas em manipulação de índices e dados econômicos.
Eles também ocultaram informações sobre suas condições de saúde, tudo para derrotar adversários e angariar apoio. Os autores do livro pelo menos não enganam o leitor. Lançaram, de propósito, a obra às vésperas de novo pleito presidencial. A intenção é clara: vender, muito.
Seis histórias que mexeram com os pleitos presidenciais no país
1921
A falsa carta de Artur Bernardes
Qual a primeira fake news da política brasileira? Os jornalistas que fizeram a obra não têm a pretensão de responder, mas comprovam, com documentos, um dos primeiros episódios. Em 9 de outubro de 1921, a edição dominical do jornal carioca Correio da Manhã estampou na página 2 uma carta de conteúdo agressivo, atribuída a Artur Bernardes (candidato a presidente), que atacava abertamente o Clube Militar e seu dirigente, o marechal Hermes da Fonseca.
“Estou informado do ridículo e acintoso banquete dado pelo Hermes, esse sargentão sem compostura, aos seus apaniguados, e de tudo que nessa orgia se passou”, dizia um trecho do documento publicado.
A carta, escrita à mão e com timbre do governo de Minas Gerais (governado por Bernardes), escandalizou o eleitorado. Bernardes negou a autoria, contudo poucos acreditaram nele. Só que o marechal Hermes ficou furioso.
O episódio radicalizou a disputa presidencial, vencida por Bernardes em 1922. Empossado, governou com ódio do oficialato ligado a Hermes. Enfrentou, por isso, uma revolução paulista e a Coluna Prestes, dois movimentos militares em 1924. Só conseguiu governar mediante estado de sítio, decretado duas vezes, com mordaça na imprensa e boicote a governos estaduais.
Passou à história, para muitos, como vilão. Só que numa coisa ele tinha razão: não escreveu a carta. Ela foi falsificada por Jacinto Cardoso de Oliveira Guimarães, um grafólogo, com auxílio de três parceiros (entre eles, um sobrinho de Hermes da Fonseca). Ele confessou ter sido um dos autores daquele texto explosivo para tentar impedir a vitória de Bernardes.
“Ao usar a carta como munição eleitoral, o grupo se tornara um dos primeiros produtores de fake news da nossa República”, ressalta Chico Otávio no livro Você foi Enganado.
1937
O Plano Cohen que nunca existiu
Um dos sucessores de Bernardes, o gaúcho Getúlio Vargas tornou-se ditador ao combater um suposto Plano Cohen, que falava da ameaça de infiltração comunista no Brasil, aos moldes do levante militar de 1935. O plano foi revelado às rádios e garantiu apoio a Getúlio, que, em 10 de novembro de 1937, escancarou sua ditadura. Mandou a Polícia Militar fechar o Congresso Nacional, decretou extinção de partidos políticos, restrição às liberdades individuais e censura aos meios de comunicação. Só em 1945, com a queda de Getúlio, os brasileiros souberam que o Plano Cohen nunca existiu. Foi um ensaio escrito por militares para a eventualidade de uma ameaça comunista rondar o país, conforme explicou em entrevista o general Góes Monteiro, ex-ministro da Guerra de Getúlio.
1978
Figueiredo se comprometeu, mas não cumpriu
João Baptista Figueiredo, escolhido pela ditadura militar para ser presidente, ao ser questionado em 15 de outubro de 1978 se a abertura política era para valer:
– É para abrir mesmo. E quem quiser que não abra, eu prendo. Arrebento.
A abertura se confirmou. Contudo, Figueiredo não prendeu nem arrebentou militares subordinados seus que, três anos depois, prepararam um atentado a bomba no Riocentro, centro de eventos lotado de manifestantes num ato do Dia do Trabalho. Figueiredo tinha sido chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e foi informado pelo órgão que militares do Exército tinham se envolvido na tentativa de massacre. Nada fez contra eles, que não queriam a abertura política.
1984
A farsa sobre a saúde de Tancredo Neves
Tancredo Neves, já como presidente eleito do Brasil, em setembro de 1984, afirmou:
– Estou melhor do que há cinco anos.
Não estava. Já mostrava sintomas de dores abdominais provocadas por uma crônica inflamação intestinal que o mataria, em abril do ano seguinte.
Neto de Tancredo, Aécio Neves (hoje senador) contribuiu para a farsa. No dia seguinte à primeira cirurgia do avô, reuniu a imprensa e decretou, animado:
– A cirurgia foi um êxito. E o Brasil pode suspirar aliviado. O presidente deve tomar posse amanhã.
Tancredo morreu sem jamais assumir o cargo.
1989
A garantia quebrada por Fernando Collor
Fernando Collor de Mello, presidente eleito do Brasil em dezembro de 1989, questionado se garantiria que jamais tocaria na poupança, respondeu:
– Sem dúvida.
Poucos dias após assumir o cargo, Collor decretou o confisco da poupança a partir de determinadas quantias. Muitos brasileiros, do dia para a noite, viram sumir do banco seu dinheiro obtido na venda de algum bem.
2002
Lula prometeu combater, mas foi preso por corrupção
Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência, em julho de 2002:
– Se ganharmos a eleição, tenho certeza de que parte da corrupção irá desaparecer já no primeiro semestre.
Como se sabe, a corrupção persiste. Ainda no primeiro governo, Lula enfrentou crise provocada pelo mensalão (pagamento de suborno a aliados para que votassem com o governo no Congresso). Assessores dele foram julgados e presos. Lula sobreviveu ao escândalo e se reelegeu, mas foi condenado e preso por corrupção.
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