Nesta segunda-feira (8), completa-se um ano dos atos antidemocráticos em Brasília, quando 2 mil pessoas foram presas após a invasão e depredação da sede dos Três Poderes: o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Da Serra gaúcha, pelo menos oito pessoas estiveram envolvidas de alguma forma nas manifestações. Nenhuma delas está presa atualmente.
Dos oito envolvidos, três moradores da Serra são investigados por terem contratado e organizado o transporte de pessoas à Brasília:
- Sheila Ferrarini, natural de Caxias do Sul e moradora de Farroupilha. Chegou a ter os bens bloqueados pela Advocacia-Geral da União (AGU). Ela consta na lista de passageiros que foram à Brasília. O advogado Maurício Custódio diz que Sheila "participou de uma organização de várias pessoas, que tinham objetivo de ir lá expressar seu pensamento. Ela foi ao mercado, cotou, perguntou quanto custaria a viagem para a empresa. Ela não pagou, ela não destinou os valores, ela não foi responsável financeiramente".
- César Pagatini, de Bento Gonçalves. Contratou ônibus que saiu de sua cidade à capital federal. Foi à Brasília e ficou lá até, pelo menos, 12 de janeiro de 2023. Ele nega financiamento de frete e participação nas invasões do dia 8, mas confirma que participou, com um grupo, das "manifestações pacíficas".
- Daniel Fochezato, morador de Protásio Alves. Contratou um ônibus que saiu de Caxias do Sul rumo a Brasília. A reportagem não conseguiu contato com Daniel ou sua defesa até o momento.
Outros três envolvidos participaram dos atos antidemocráticos e foram presos em Brasília. Ao longo do ano, foram liberados pelo STF mediante o uso de tornozeleira eletrônica e autorizados a retornar para o Rio Grande do Sul. Eles também estão proibidos de utilizar as redes sociais:
- Claudio Servelin, de Caxias do Sul. Ficou preso no Complexo Penitenciário da Papuda. O nome aparece em listagem dos monitorados por tornozeleira eletrônica, ainda não está claro qual foi a data da decisão do STF para a liberação dele. A reportagem não conseguiu contato com Claudio ou sua defesa até o momento.
- Luiz Gustavo Lima Carvalho, é ajudante de motorista e vigilante em Caxias do Sul. É réu por associação criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Está em liberdade, com tornozeleira eletrônica. A reportagem não conseguiu contato com Luiz ou sua defesa até o momento.
- Telmo José Reginatto, também de Caxias, aparece nas listas de presos na Papuda por envolvimento nos atos antidemocráticos. Teve sua prisão convertida de flagrante para preventiva, e foi autorizado a deixar o Distrito Federal (DF) com tornozeleira eletrônica. A reportagem não conseguiu contato com Telmo ou sua defesa até o momento.
Mais dois envolvidos, que fecham a lista dos oito serranos que participaram dos atos de 8 de janeiro de 2023, também estão em liberdade, porém não podem deixar o DF:
- Armando Valentin Settin Lopes de Andrade é caxiense, mas morador do Distrito Federal há pelo menos 20 anos. Ficou preso na Papuda até agosto, e agora está com tornozeleira eletrônica, impedido de deixar Brasília. Virou réu por incitação ao crime e associação criminosa. Em depoimento, Andrade contou ter frequentado o acampamento diariamente, por mais de 40 dias, estabelecendo uma relação de confiança com lideranças do local. Essa proximidade teria lhe garantido participar de três reuniões restritas, com essas pessoas, momento em que teria ouvido os planos de ataques. A reportagem não conseguiu contato com Armando ou sua defesa até o momento.
- Fabio Adriano Menezes do Rosario era servidor público da prefeitura de Antônio Prado, e atuava como motorista do município à época em que foi preso em Brasília. Segundo a prefeitura, ele estaria em período de férias entre os dias 9 e 18 de janeiro, e não estava exercendo as atribuições do seu cargo durante os atos em Brasília. Hoje, de acordo com o município, o nome de Rosário não consta mais no sistema como servidor de Antônio Prado. A reportagem não conseguiu contato com Fabio ou sua defesa até o momento.
Um ano depois, 66 ainda estão presos
Entre os dias 8 e 9 de janeiro de 2023, 1.927 pessoas foram detidas por envolvimento em bloqueios de ruas, associação para o crime e depredações em Brasília. Elas estavam divididas em dois grupos, basicamente: 243, que foram presos em flagrante após invadirem sedes dos três poderes (161 homens e 82 mulheres), e os demais 1.684, por estarem acampados ou bloqueando vias públicas próximas a quartéis das Forças Armadas.
Dos 1,9 mil detidos, 775 foram liberados ainda em 9 de janeiro, por serem idosos ou apresentarem problema de saúde. Os demais ficaram presos por algum tempo. Ao longo do ano, o STF concedeu liberdade vigiada à maioria dos presos. Eles deixaram os presídios “mediante a imposição de medidas cautelares diversas”. A mais comum, o uso de tornozeleira eletrônica. Eles também estão proibidos de se manifestar nas redes sociais.
Passado um ano, 66 pessoas envolvidas nos distúrbios continuam em presídios, conforme o STF. Desses, 33 foram capturados em flagrante pela invasão de prédios públicos naquele dia. Os demais tiveram prisões preventivas decretadas ao longo dos últimos meses, após investigações da Operação Lesa Pátria (da PF), que os apontaram como instigadores, financiadores ou executores da tentativa de golpe de Estado. Dos 66 presos, oito estão condenados.
As condenações também atingem alguns dos que foram liberados ao longo do ano.
Os julgamentos começaram no segundo semestre de 2023 e até agora 30 pessoas foram condenadas (desses, apenas oito estão presos, os demais aguardam em liberdade julgamento de recursos contra as sentenças). As penas variam de 13 a 17 anos de prisão. Nenhum dos julgados foi absolvido.
Ataque e planejamento
Investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) concluíram que o 8 de Janeiro foi cuidadosamente arquitetado para gerar o caos em Brasília e estimular as Forças Armadas a darem um golpe de Estado, para “restaurar a ordem”. Isso aconteceria com a remoção de Lula da Presidência e a prisão de ministros do STF, como pediam os manifestantes mais exaltados.
Houve falhas de segurança, tanto na prevenção como na repressão ao badernaço. Excursões chegaram a Brasília saídas de vários Estados, sem serem abordadas para vistoria policial. Manifestantes foram recebidos com refeições, em acampamentos montados em frente a quartéis das Forças Armadas. Autoridades subestimaram o tamanho dos protestos anunciados.
Codinomes e senhas (como “Festa da Selma”) foram usados pelos manifestantes para organizar a investida aos prédios públicos. Com base em relatórios das polícias Militar e Legislativa, o MPF ressalta que a invasão das sedes dos três poderes foi montada em linhas de ataque.
Alguns grupos atuavam na linha de frente, munidos de armas improvisadas (como machados e pedaços de pau). Outros agiam na retaguarda, dando suporte e abrindo extintores de incêndio para dificultar a atuação dos policiais. A constatação dos promotores vai na contramão do que alegam os manifestantes presos, que dizem ter ido a Brasília sem qualquer objetivo de invasão.
Um dos investigados a respeito do episódio é o ex-presidente Jair Bolsonaro.
No inquérito sobre atos antidemocráticos aberto por determinação do STF, procuradores da República checam possível incitação de Bolsonaro aos atos.