O cenário político nacional, em 2023, ficou marcado pela troca de comando no governo federal, com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deixando o cargo para o rival Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito em 2022 e atual presidente da República. Lula dedicou o primeiro ano do seu terceiro mandato a negociações com o Centrão, para garantir a aprovação de medidas governistas, e a viagens internacionais com o objetivo de fortalecer as relações do Brasil com países de todos os continentes.
As negociações foram fator decisivo para a aprovação de propostas do governo, segundo Marcos Quadros, cientista político, professor e gestor acadêmico na Faculdade Estácio Porto Alegre.
– O governo obteve retumbantes vitórias no Congresso, como a Reforma Tributária e a reestruturação da Esplanada, e amargou fragorosas derrotas, como o marco temporal e a desoneração da folha. O que muitas vezes se mostrou decisivo foi a liberação de recursos das emendas parlamentares em troca de apoio. Boa parte dos parlamentares se move por interesses, não por ideologias ou visões de país. Imaginar o contrário simplesmente não é realista – entende Quadros, que também avalia um cenário em 2023 “sem grandes alterações”:
– O governo tenta consolidar sua agenda e anular medidas da administração anterior, ao passo que a oposição busca manter-se viável e ativa. Uma mudança evidente, no entanto, foi a diminuição significativa da interferência do STF nas ações do Executivo Federal.
Para a professora adjunta do departamento de Ciência Política da UFRGS e cientista política, Cibele Cheron, as articulações do governo federal têm garantido a governabilidade.
– Lula tem conseguido articular a coalizão que garante governabilidade, embora isso implique em negociações com setores do chamado “centrão”, o que desagrada parte da esquerda brasileira. A institucionalidade começou a ser restaurada, congregando esforços em torno da defesa da democracia, grande aglutinador programático da atuação do governo e pauta de políticas públicas.
Defesa da democracia
2023 também foi o ano em que a democracia brasileira sofreu um dos maiores ataques da sua história, quando milhares de pessoas invadiram a sede dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em Brasília, com depredações ao patrimônio público, incluindo bens históricos. Para Cibele, uma das principais ameaças à democracia tem sido a radicalização política.
– É preciso que se compreenda que a polarização é resultado natural do próprio sistema eleitoral na disputa por cargos majoritários, ainda mais quando há segundo turno. O acirramento radical dessa polarização é que tem ameaçado a democracia.
Quadros complementa, afirmando que “nenhum dos lados apresentou qualquer ação de pacificação relevante”.
– Muitos radicais de esquerda e direita continuam operando dentro e fora dos espaços institucionais. Assim, a polarização persiste. As características de certos líderes que temos hoje, a formação de guetos ideológicos nas redes sociais e a espetacularização da política dificultam muito a moderação e a formação de consensos amplos.
Influência nas eleições municipais
Em 2024, o principal assunto político será as disputas eleitorais nos municípios, com o primeiro turno agendado para o dia 6 de outubro. Apesar da maior proximidade que o eleitor tem com os candidatos às prefeituras e Câmaras de Vereadores, a nacionalização dos pleitos deverá ser evidente.
– É parte da cultura política brasileira uma disputa mais intensa nas eleições municipais, afinal, é nas cidades que as pessoas efetivamente vivem. A radicalização, ao que tudo indica, não será diluída nas disputas pelas prefeituras, o que representa um grande desafio de conciliação nacional a ser enfrentado, principalmente, pelos partidos políticos. A continuidade dos atuais governos municipais parece ser uma tendência nas grandes cidades do país, além do engajamento em torno das figuras de Lula e Bolsonaro – avalia Cibele Cheron.
Marcos Quadros também vê a presença dos presidentes na corrida eleitoral, mas avalia que cidades maiores podem sofrer impactos da polarização.
– 2024 tende a ser um ano crucial para governo e oposição. Em cidades maiores há mais abertura para temas amplos, de modo que a dinâmica da polarização nacional pode ter alguma influência. Certamente Lula e Bolsonaro estarão muito presentes na campanha, o que favorece a ideologização e a nacionalização do pleito. Em cidades menores, os fatores comunitários, locais, costumam definir as eleições. O voto é conquistado de porta em porta.
Para ficar de olho
- Marcos Quadros: “Enquanto o governo e a esquerda precisarão conter a queda de popularidade do presidente, concretizar o crescimento econômico e retomar espaços políticos perdidos em importantes cidades nas eleições municipais, a oposição e a direita precisarão definir agendas mínimas para firmar um bloco coerente, além de retomar sua capacidade de mobilização nas ruas e impor-se no nível municipal, como fizeram nas recentes eleições para os conselhos tutelares.”
- Cibele Cheron: “Um ponto crítico está na incerteza quanto à PEC da Anistia, que visa a impunidade dos partidos políticos descumpridores das cotas de candidaturas de pessoas negras e mulheres, impactando a presença destes nos pleitos e, consequentemente, a representatividade nas casas legislativas.”