Desde a última terça-feira (2), a Câmara de Caxias do Sul está com duas comissões processantes instaladas para investigar casos envolvendo dois vereadores, ambos acusados de quebra de decoro parlamentar. Lucas Caregnato (PT), cujo o processo foi aberto esta semana, se envolveu em tumulto durante audiência pública sobre a Maesa e foi acusado de violência verbal contra a mulher. Já Sandro Fantinel (sem partido) é investigado desde 2 de março, quando a Câmara aprovou a abertura do processo que julgará o impedimento dele após falas preconceituosas contra baianos no plenário da Casa em 28 de fevereiro. É a primeira vez na história do Legislativo caxiense que dois vereadores são investigados ao mesmo tempo.
Os dois pedidos de cassação foram protocolados por entidades e eleitores externos, ou seja, pessoas que não fazem parte do Legislativo. No caso de Fantinel, são três os pedidos agrupados no mesmo processo: um do ex-vice-prefeito de Caxias, Ricardo Fabris de Abreu, um das defensorias públicas da Bahia e do Rio Grande do Sul e a terceira representação foi assinada por seis eleitores. Já Lucas responde a um único pedido, que foi protocolado pelo eleitor Lucas Ribeiro Suzin.
Não é a primeira vez que a cidade enfrenta um cenário político conturbado em face de processos de cassação. O ex-prefeito Daniel Guerra (2017-2019), por exemplo, foi alvo de sete pedidos de cassação entre 2017 e 2019, dos quais três foram feitos pelo vice-prefeito, à época, Ricardo Fabris (que renunciou ao cargo em 28 de dezembro de 2018). Os pedidos culminaram com o impeachment de Guerra em 22 de dezembro de 2019, após uma sessão que levou mais de 51 horas na Câmara.
Nos últimos anos, Caxias ouviu falar muito em "cassação" ou "impeachment", seja no cenário municipal ou até mesmo nacional. Numa série de perguntas e respostas, o Pioneiro explica como funciona um pedido de cassação, quem pode protocolar e o que precisa para que seja feito. Confira:
Quem pode pedir a cassação de um político?
A Lei Orgânica do Município (LOM) de Caxias do Sul baseia-se no Decreto-Lei (DL) 201 de 1967 para casos que tratam de cassação de prefeitos e vereadores. Segundo o texto do DL, no artigo 5º, "a denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Se o denunciante for vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação".
Segundo o advogado e professor de Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa, Antônio Augusto Mayer dos Santos, a redação do texto do decreto é "larga e pode-se dizer insuficiente". Além disso, no entendimento do jurista, qualquer pessoa com título de eleitor (portanto, com 16 anos ou mais) pode protocolar o pedido, independente da naturalidade.
— A jurisprudência é escassa na matéria. Predomina que basta ser eleitor, do município ou não.
O que precisa constar no pedido?
O DL pede a exposição dos fatos e a indicação das provas. Podem ser anexados ao pedido fotos, vídeos, áudios, documentos, testemunhas ou qualquer prova que seja admitida por todos os meios legais e que sejam moralmente legítimas.
Quanto ao teor do pedido, o advogado Antônio dos Santos explica que a redação é livre e não precisa de advogado para encaminhá-lo. Isso significa que não é necessário um texto com embasamento jurídico para ser avaliado pela Câmara nem que o documento seja impresso ou que possua algum tipo de formalidade. Basta que peça o impedimento do político com um relato do fato ocorrido e provas do caso.
— E isso é um problema, pois inúmeras vezes o texto sequer está claro. O DL desserve à atualidade, é de redação insuficiente, imprecisa e por vezes tosca. Mas como não há previsão de um juízo prévio de admissibilidade ou não, penso que (um texto simples) tem que ser autuado, despachado e deliberado. Não há previsão de canetada inadmitindo — avalia.
Quais são os trâmites a partir do protocolo?
Os pedidos são protocolados pela secretaria legislativa da Casa e, então, encaminhados à Mesa Diretora. De acordo o DL, "de posse da denúncia, o presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a Câmara sobre o seu recebimento". Este "recebimento" se refere à abertura do processo, que é votada no plenário e aprovada se houver entendimento favorável da maioria dos presentes. A Mesa Diretora não pode arquivar pedidos de cassação, que inclusive trancam a pauta do Legislativo, ou seja, se torna o primeiro objeto de discussão na próxima sessão a partir do protocolo do pedido. O termo "tranca pauta" é usado pois os vereadores não podem analisar projetos de lei ou discutir outros assuntos enquanto não votarem o pedido de cassação.
— A Mesa não tem nenhum poder específico nesses casos. São processos cujas tramitações se tornam bem complexos ante a precariedade da redação do DL — reforça Santos.
Se o processo de cassação for aberto pelo plenário, é realizado um sorteio na mesma sessão de três vereadores para comporem a comissão processante, que terá a função de investigar o caso e emitir parecer favorável ou contrário ao impedimento. Os sorteados se reúnem na sequência para decidir quem será o presidente e o relator do grupo.