Para o deputado estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL), o país necessita de uma “radicalização” da democracia. Ele defende um modelo mais participativo e com envolvimento comunitário. Para Freixo, o processo eleitoral é “importantíssimo”, mas a democracia vai além do voto a cada dois anos.
Com a experiência de quem conhece há mais de 30 anos o sistema penitenciário do Rio, Freixo comenta sobre a falta de política pública para o setor e diz que o objetivo do sistema prisional brasileiro é somente evitar fugas e rebeliões. Por telefone, Freixo comentou sobre a crise política que envolve o presidente Michel Temer e defendeu eleições diretas. Confira os principais trechos da entrevista.
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Pioneiro: Recentemente, um jovem foi torturado e o vídeo, publicado nas redes sociais. O que está acontecendo com a sociedade brasileira?
Marcelo Freixo: Isso não é de agora. A gente tem um processo social, uma sociedade muito marcada pelo medo, e o medo sempre pode produzir intolerância. Marcar os diferentes é nossa herança escravocrata. Todo escravo que fugia recebia a marca do ferro quente do F no rosto para caracterizar que era um fujão. Esse debate da segurança pública em cidades cada vez mais marcadas pelo medo provoca esse processo de justiçamento substituindo a Justiça. De alguma maneira, é uma faceta da crise da democracia e da representatividade que não está só na imagem do Congresso, mas do Estado como um todo, inclusive do sistema judiciário.
O senhor tem defendido a construção de uma política pública para o uso de drogas. Qual é o modelo ideal?
O processo de criminalização das drogas deu errado no mundo inteiro, inclusive nos Estados Unidos, que sempre foi pioneiro, e isso fez o consumo de drogas e a violência aumentarem. A guerra às drogas não resolveu o problema do consumo e da violência. O que a gente assiste hoje é ao aumento do consumo das drogas tanto lícitas e ilícitas e à ausência de uma política nacional contras as drogas. No Rio, um policial é morto a cada dois dias neste ano e temos uma média de três pessoas mortas por dia pela polícia. É a polícia que mais mata e mais morre no mundo. As pessoas não estão morrendo por overdose, as pessoas estão morrendo pelo tiro da arma de fogo. É muito importante que a gente consiga avançar nesse debate para que o Estado pudesse ter outro papel de política de drogas mais próximo à saúde pública do que da segurança pública. Um exemplo é o consumo de álcool, principalmente na juventude, e ninguém propõe a criminalização do álcool como a solução para a redução do consumo.
A grande maioria dos presídios está superlotada. A solução é mais cadeias?
42% dos presos brasileiros são presos provisórios e que ainda não foram julgados. Antes de sair construindo prisão, o que tem que se fazer é resolver o problema do acesso à Justiça de quem já está preso. Em 1995, o Brasil tinha 148 mil presos. Em 2017, temos 630 mil presos. A gente tem o Estado que mais mata, o sistema que mais prende e a sensação da população é de que é o país da impunidade. Esse crescimento desenfreado da taxa carcerária vai nos levar a aumentar a violência porque a gente não tem política penitenciária hoje. Uma política penitenciária deveria dizer o que a gente pretende daqui a dois, cinco,10 anos. Qual é a política para fazer com que o número de presos estudando, trabalhando aumente, que tipo de parcerias as unidades prisionais podem fazer com as universidades. A prisão é um lugar das nossas amnésias e a gente coloca ali o que a gente quer esquecer.
Recentemente, Caxias do Sul teve sua primeira chacina. Como é possível controlar esse tipo de violência?
Todas as facções do Brasil nasceram nas prisões. Trabalho há 30 anos no sistema prisional e vi as facções nascerem dentro do sistema prisional do Rio e se alimentam da ausência das políticas públicas. O grande objetivo do sistema prisional hoje é não ter fuga e rebelião. Você não precisa cumprir a lei, não precisa ressocializar ninguém, ter preso estudando, trabalhando. Essa irresponsabilidade faz com que as facções ganhem sentido dentro da prisão. A prisão é o novo condomínio dos sobrantes desse modelo econômico. As prisões têm que se aproximar de alguma perspectiva republicana. Enquanto isso não for feito, as ruas sentem esse efeito que é esse exemplo aí de Caxias.
Como a esquerda pretende recuperar o capital político perdido após as denúncias de corrupção?
Tem uma dívida de uma parcela da esquerda, não vou negar. A esquerda sempre teve um campo ético forte na história recente. Tem um nível de pragmatismo, de ideia de governabilidade, e abriu mão de algo que não deveria. A autocrítica ainda hoje não aconteceu de forma profunda pelas partes que participaram do governo do PT, o que não quer dizer que anule todas as conquistas, como a redução das desigualdades, a capacidade de compra do salário mínimo. Ao mesmo tempo, acho que a esquerda como um todo precisa repensar não só a ética, mas também a sua estética. A esquerda tem que ter uma nova capacidade de comunicação, precisa ser menos arrogante, tem que aprender a ouvir mais do que falar. Tem que ter um programa nacional de esquerda. Não pode continuar dizendo o que ela não quer, ela tem que dizer o que ela quer. Mas tem que ir para as bases das cidades e para o campo, reorganizar debates sobre um projeto de país e acho que isso não será dado mais pelo “lulismo”.
E como construir a democracia para além do voto?
A eleição é um processo importantíssimo, mas a gente precisa entender que a democracia vai além da eleição. Não podemos desejar uma democracia de dois em dois anos. Tem que ter mecanismos mais eficientes de cidades mais democráticas e de participação efetiva através dos bairros, nos movimentos religiosos, sindicais. Na França, a prefeitura faz um debate cada vez mais comunitário. Você vai ver isso acontecer em Nova York e em Berlim.
E qual é a alternativa para o país sair da crise política e econômica?
O “Fora, Temer” tem que ser acompanhado das Diretas Já! O golpe não é só a mudança de um presidente por outro, o golpe é uma agenda que se impõe, como a redução do processo democrático, de fragilidade das instituições, e na agenda das reformas Previdenciária e Trabalhista. As denúncias de corrupção contra Temer tornam o governo insustentável. Ele só não caiu porque aqueles que o colocaram lá não tem consenso em um nome, senão já teria caído. O Temer é um ex-presidente em exercício. A eleição direta é a retomada de um processo democrático. Mas vamos ter duas eleições em um ano? O ruim é ficar 21 anos sem nenhuma. Ter duas eleições em um ano não há nenhum problema.