A Polícia Federal cumpre seis mandados de busca e apreensão em Bento Gonçalves e um em Garibaldi, na manhã desta sexta-feira (17), para aprofundar as investigações e coletar novos elementos de prova a respeito do caso dos 207 trabalhadores resgatados em trabalho similar à escravidão em 22 de fevereiro. As vítimas foram resgatadas em um alojamento sem condições adequadas e levadas naquela ocasião para o Ginásio Municipal Darcy Pozza em Bento Gonçalves. A ação é denominada Operação Descaro e começou por volta das 6h desta sexta.
A ação conta com apoio do Exército e da Brigada Militar (BM). Seis pessoas, cuja identificação não foi revelada pela PF, são alvos das medidas judiciais executadas na manhã desta sexta. Elas são suspeitas de integrar uma organização criminosa voltada à prática do crime de exploração de trabalho análogo à escravidão.
A reportagem apurou que a ação mira dois empresários, um policial militar e três seguranças. Eles são investigados por manter os 207 trabalhadores em condições degradantes, tanto na colheita da uva como em um alojamento em Bento Gonçalves, onde eles pernoitavam. O local foi interditado em 22 de fevereiro por fiscais do Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho (MPT) e policiais rodoviários federais.
Conforme as investigações da Polícia Federal, os trabalhadores eram recrutados em outros Estados, principalmente na Bahia, por uma empresa prestadora de serviços de apoio administrativo. Os relatos indicam que as vítimas estavam sem receber salários, contraíam dívidas com juros abusivos e tinham a liberdade de locomoção restringida, além de sofrerem agressões físicas.
A reportagem descobriu que um dos investigados é o empresário baiano Pedro Augusto Oliveira de Santana, radicado há 10 anos na Serra. Especializado em intermediar fornecimento de mão-de-obra para empresas de manuseio de frango e uvas na Serra, ele contrata muitos conterrâneos e se tornou suspeito de manter trabalhadores em condição análoga à escravidão. Estão sendo revistados uma empresa dele (situada em Garibaldi) e a residência dele, em Bento Gonçalves.
A PF apreendeu 10 armas. A maioria delas pertence a Pedro Santana, que tem licença de Caçador/Atirador/Colecionador (CAC). O armamento consta no Sistema do Exército (Sigma) e está regularizado na modalidade CAC, mas foi apreendido pelo Exército porque estava armazenado de forma inadequada.
Outro dos mandados é contra o soldado Márcio Squarcieri, 39 anos, que atua no 3º Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas (Bpat), em Bento Gonçalves. Ele é suspeito de chefiar a segurança na pousada de onde 207 safristas da colheita da uva foram resgatados e está afastado. Este mandado é acompanhado pela Corregedoria da Brigada Militar.
O PM é investigado por tortura e por, supostamente, atuar como segurança privado para a pousada e para a empresa que contratou os trabalhadores. Tanto o dono da empresa como o do alojamento são investigados pela Polícia Federal, por manter trabalhadores em situação análoga à escravidão. O advogado Maurício Custódio, que representa o policial, demonstrou contrariedade com o afastamento do cliente das atividades de policiamento. Ele considera isso um "pré-julgamento, precipitado", do PM, que inclusive tem condecorações na ficha funcional. Custódio também ressalta que não teve acesso aos autos, sequer aos depoimentos dos safristas que acusam seu cliente de tortura.
Outros três seguranças da pousada foram alvo da ação de busca e apreensão feita pela PF.
A operação também realizou buscas contra o dono do alojamento onde foram encontrados os 207 safristas da uva. É Fábio Daros, empresário de Bento Gonçalves, que também é proprietário de uma lotérica e uma loja de carros usados. Daros já foi preso por receptação de veículo roubado, anos atrás. Agora é investigado por manter trabalhadores em condição análoga à escravidão.
A PF vai analisar o material apreendido e, num segundo momento, chamar os investigados para prestarem depoimento. Isso não deve acontecer agora.
CONTRAPONTOS
O que diz a defesa de Pedro Santana:
O advogado Augusto Giacomini Werner divulgou nota a respeito da ação da PF: "O senhor Pedro é o maior interessado que a verdade dos fatos seja desvelada, motivo pelo qual, desde o início, colabora com as investigações realizadas pelas autoridades. No que se refere às armas, sua propriedade trata-se de um direito do Sr. Pedro, que as mantinha em condições regulares e registradas perante o órgão competente, de forma que as mesmas, ao contrário do que listado pelos meios de comunicação, somente foram apreendidas pelo fato de que, com a abertura do inquérito, abre-se processo administrativo junto à instituição para que apure sobre a manutenção da idoneidade do titular do direito. A desinformação da sociedade prejudica tanto as investigações, como a própria vida do Sr. Pedro, empresário de carreira sólida e reputação inquestionável que, antes de exercer o seu direito de ampla defesa no decorrer do devido processo legal, já é tratado por muitos como culpado".
O que diz a defesa de Fábio Daros
A advogada Vanessa Dal Ponte afirmou que o processo corre em segredo de Justiça e que Fábios Daros não foi citado formalmente, até o momento. Dal Ponte disse ainda que não teve acesso aos autos do processo e que ela e o cliente manterão uma "postura colaborativa com a polícia no que for necessário para o esclarecimento dos fatos". Na operação desta sexta, o mandado de busca e apreensão foi cumprido na casa de Daros e, conforme a advogada, nada foi apreendido no local.
O que diz a defesa de Márcio Squarcieri:
O defensor dele, Maurício Custódio, está contrariado com o afastamento do policial do serviço. Considera isso um "pré-julgamento, precipitado", do PM, que inclusive tem condecorações na ficha funcional. E que a Corregedoria da BM fez o trabalho de maneira atabalhoada. Custódio também critica a falta de cautela na tentativa de obter confirmação de que Squarcieri é o PM apelidado de "Escocês" pelos safristas que acusam ele de tortura. O advogado diz que seu cliente está ameaçado e ressalta que nenhum objeto apreendido demonstra qualquer ilegalidade praticada pelo PM.