Correção: a empresa Oliveira e Santana Prestadora de Serviços Ltda, do empresário Pedro Oliveira de Santana, não é membro do Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro), como publicado entre 12h11min de 6/3/23 e 19h37min de 9/3/23. O texto foi corrigido.
Algumas cenas de penúria marcaram o maior resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão já realizado no Rio Grande do Sul: os 207 safristas da colheita da uva encontrados em condições sub-humanas numa pousada em Bento Gonçalves, em 22 de fevereiro. Nesse drama da vida real que virou notícia internacional, o personagem-destaque é Pedro Augusto Oliveira de Santana, 45 anos, baiano radicado na serra gaúcha, que contratou as pessoas mantidas naquele alojamento insalubre.
Entre os amigos, ele é conhecido como empresário bem-sucedido, cartola no futebol interiorano, benfeitor de comunidades por meio de doações e patrocínios. Já o outro lado de sua carreira apareceu quando ele foi preso em flagrante por manter os safristas num local degradante e contra a vontade deles, conforme os depoimentos dos resgatados.
Santana foi solto pela Justiça Federal 10 horas depois, mas responde a inquérito na Polícia Federal (PF), além de ser investigado, em nível trabalhista, por tráfico de seres humanos. Ele também é alvo de pedidos de indenizações cíveis, por manter safristas em condições degradantes, submetê-los a jornadas exaustivas, forçá-los a continuar trabalhando para saldar dívidas que não estavam combinadas no contrato e impedi-los de deixar o alojamento.
Conforme depoimento dos empregados, quase todos baianos, eles seriam obrigados a comprar no mesmo local, tomariam banho frio, não receberiam o dinheiro prometido e estariam proibidos de deixar o emprego porque contraíram dívidas com o patrão pela viagem desde o Nordeste para o Rio Grande do Sul. Alguns relatam terem sido espancados e torturados com choque elétrico por guardas e PMs, apenas porque reclamaram da situação.
Santana também é natural da Bahia, o que talvez explique como convence os conterrâneos a largarem lares situados a 3 mil quilômetros de distância para jornadas de trabalho extenuantes no verão serrano. Brincam que ele é "baiúcho" (mistura de baiano com gaúcho).
Nasceu em São Domingos, distrito rural de Valente, no sertão da Bahia. Só que peregrinou pelo Brasil em busca do sonho de crescer na vida. Primeiro, foi boia-fria (cortador de cana em Santa Helena, Goiás). Depois, ainda numa usina de cana, conseguiu atividade melhor, com experimentos do açúcar. Aí fez curso de técnico agrícola e se mudou para Rio Verde (GO), onde conheceu a esposa e trabalhou em granjas de produção de ovos.
Foi aí que virou fornecedor de mão de obra para uma multinacional de beneficiamento de carnes — um permanente dilema logístico para o setor. Começou em Goiás e depois veio para o Rio Grande do Sul, 12 anos atrás, onde se radicou.
Montou a Oliveira e Santana Prestadora de Serviços Ltda, especializada em fornecer empregados para grandes abatedouros de frango na serra gaúcha. Depois, passou a atuar em outro segmento, o da colheita da uva. Firma contratos de prazo determinado para dois meses de trabalho intenso na safra.
A destreza na logística para carregar aves acabou contribuindo para o currículo de Santana. Ele se formou em Administração de Empresas, em 2018, numa faculdade em Bento Gonçalves, com o tema "Análise da implantação de carregador automático de caixas para frangos vivos" como trabalho de conclusão de curso. Está por concluir ainda, em maio, a pós-graduação em Administração de Empresas, numa faculdade de Caxias do Sul.
Investimento em empresas e no futebol
Santana dá preferência por arregimentar jovens no sertão da Bahia, além de Salvador. Para convencê-los, conta com ajuda de familiares e amigos de confiança.
Com o tempo, ele, a esposa e outros familiares passaram a controlar uma rede de nove empresas entre Bento Gonçalves e Garibaldi. Atuam em contratação de mão de obra, marketing, transporte de pessoas e de carga, beneficiamento de madeira e fabricação de embalagens. Eles tiveram também uma lotérica, em sociedade com outro empresário serrano, Fábio Daros, que inclusive é o dono da pousada onde foram encontrados os trabalhadores em condição análoga à escravidão. Embora no papel ainda sejam sócios, Santana informa que não tem mais participação na casa de jogos.
Trabalhadores entrevistados por GZH falam que Daros também forneceu comida fiada aos safristas arregimentados por Santana, numa relação bem anterior à sociedade de ambos na lotérica.
Santana adotou costumes serranos e trouxe familiares para morarem em Bento. Apesar de seus times preferidos serem o Vasco e o Bahia, passou a torcer também para o Inter de Porto Alegre. Mas a rivalidade Gre-Nal está longe de passar por seus hábitos. Como cartola de futebol, viabilizou contratos que levaram tanto ex-craques colorados quanto ex-gremistas para jogar em Garibaldi.
Santana revelou a amigos que sempre quis ser jogador de futebol. Sem realizar o sonho, decidiu investir nesse esporte na região da Serra, saúda um dos seus amigos, Rogério Loss, presidente da Associação Garibaldi de Esportes (AGE). A AGE, popularmente conhecida como Garibaldi, é um clube da Terceira Divisão gaúcha, da cidade de Garibaldi, vizinha a Bento Gonçalves.
Festas no clube e na comunidade
A história recente do time Garibaldi se confunde com a do empresário Pedro Santana. Ele é chamado de gerente-executivo do clube, um "cartola". Tratado como dirigente, é investidor. Uma retribuição, já que Santana tem uma fábrica e participa, nominalmente, de três empresas no município.
Loss ressalta que Santana convocou para atuar no time garibaldense (seja como gerentes ou no campo) alguns conhecidos jogadores, como Vinícius (ex-zagueiro do Inter e do Atlético Mineiro), Souza (ex-Grêmio) e Marco Aurélio Jacozinho (ex-Grêmio, que jogou a Batalha dos Aflitos). Trouxe também dois colorados notórios: o ex-meio campo Chiquinho (que não chegou a ficar, porque voltou ao Inter) e Pedro Iarley, herói da conquista do Mundial pelo Inter, a maior contratação da história do Garibaldi. Veio como treinador. A chegada dele foi anunciada em meio a brindes com espumante safra especial, o produto mais conhecido da região.
Iarley estreou na profissão de técnico no Garibaldi e ficou na pré-temporada de 2022 da Terceirona e dois jogos da temporada. Perdeu ambos. Chegou em maio e foi embora em julho.
À reportagem, o ex-jogador se diz surpreso com tudo que ocorreu e fala que prefere não comentar o ocorrido, apenas que sua passagem foi breve.
Os três meses de Iarley no clube foram um sonho para os garibaldenses, descreve o dirigente Rogério Loss. Ele informa também que Santana trouxe cerca de 30 jovens para jogar nas categorias inferiores (juniores e juvenis) do clube, vindos das mais diversas partes do Brasil.
— O Pedro (Santana) pagou passagens de avião, ida e volta, para os atletas. E deu ajuda de custo a eles, enquanto nós prestamos amparo logístico. Em troca, o clube colocou a marca dele nas camisetas. Ajuda ainda vários times amadores de toda a Serra (Carlos Barbosa, Garibaldi e Bento Gonçalves) — descreve Loss.
O presidente do Garibaldi diz que, se depender dele, Santana continuará como dirigente, por ser um sujeito "supercorreto, um cara que valoriza as pessoas". Loss acredita que tem muita inverdade e exagero nas queixas trabalhistas contra o empresário.
No clube Garibaldi e também nas empresas de Pedro Santana, é difícil encontrar quem faça queixas dele. Um dos motivos é que costuma ser generoso com alguns escolhidos.
É o caso de muitos de seus funcionários, como os da empresa de derivados de madeira. Empregados revelaram à reportagem que todo o final de ano Santana faz uma festa grandiosa, inclusive com presença de ex-jogadores de futebol de renome. Também premia os melhores colaboradores, os que faltaram menos e mais se dedicaram. A premiação é em dinheiro. Em 2022, foram 30 empregados beneficiados.
Santana também doou testes de covid-19 e máscaras à prefeitura de Garibaldi. Quando a pandemia começou a diminuir e essas providências começaram a cair em desuso, deu uma festa para as equipes de saúde da cidade.
Vinho com pedigree
Excetuadas festas em momentos especiais, Santana tem perfil discreto. Não é de hábitos boêmios, nem visto com frequência em lugares badalados. Ele joga futevôlei nos clubes serranos, quando encontra tempo.
Mas gosta de manter boas relações, ressalta um político serrano, ouvido pela reportagem. Santana lançou um rótulo exclusivo de vinho, para presentear os amigos: o Oliveira e Santana Ancellotta. A bebida, um "reserva especial" em garrafas de produção limitada, é presenteada a clientes da Oliveira e Santana Prestadora de Serviços Ltda, uma de suas empresas.
Outra empresa do investigado, a Oliveira e Santana Indústria de Pallets, com sede em Garibaldi, é afiliada à Câmara de Indústria e Comércio local. Já a Oliveira e Santana Prestadora de Serviços Ltda figura numa placa que homenageia os que contribuíram para a construção de um canil da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Bento Gonçalves, em 2022. A doação foi organizada pelo Conselho Comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro) de Bento Gonçalves, que informa que Santana não é ligado à entidade.
Por ironia do destino, foram policiais rodoviários federais que deram voz de prisão em flagrante a Santana no dia em que descobriram 207 pessoas contratadas por ele, alojadas numa pousada em condições análogas à escravidão.
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Contraponto
O que diz Pedro Oliveira de Santana:
A reportagem tenta entrevista com Santana. Em nome dele, o escritório de advocacia Giacomini Advogados considera que a imagem de um homem foi manchada "por acusações infundadas" e enviou nota com pontos da defesa:
Sobre trabalho escravo: todos safristas tinham contrato de trabalho e todos os seus direitos previstos na legislação.
Sobre jornadas exaustivas de trabalho: a legislação era seguida à risca. Em caso de horas-extras, recebiam pelas mesmas.
Sobre condições degradantes: todos usavam equipamentos obrigatórios. Atuavam como os demais trabalhadores da uva.
Sobre restrição à locomoção dos trabalhadores: não havia restrição à locomoção deles, nem retenção no local de trabalho.
Sobre retenção de documentos dos trabalhadores por parte do patrão: havia trabalhadores que perdiam seus documentos. Em alguns casos, foi feita retenção temporária das carteiras de trabalho, para assinar as mesmas e para atualização contábil dos contratos.
Sobre vigilância na pousada e brigas envolvendo os empregados: alguns safristas novos causaram tumulto na pousada onde estavam. Foram feitos vários boletins de ocorrência, sem envolvimento de Pedro Santana, tendo em vista que ele não tinha qualquer controle sobre os empregados em seus momentos de folga. O empregador não possui qualquer responsabilidade sobre os seus funcionários em momentos livres. A pousada também não pertence a Pedro.